Cap. 31

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Música The Scientist - Coldplay (Legendado)

— Parem de colocar o nome de Deus em todo lugar, parem de justificar o que aconteceu como algo bom, que ela está em um bom lugar agora. É sempre a mesma filosofia, todo mundo já decorou, até quem nunca perdeu ninguém já sabe que quando alguém precisar de consolo serão essas palavras que vão usar. Você mesmo disse que não sabe a dor de perder alguém, pai, como pode ter tanta certeza de que o que aconteceu foi bom e que está tudo bem com ela agora? Como Deus pode ser um homem bom se o que ele fez comigo foi ruim? Como posso confiar e depositar minha fé em alguém que tirou a pessoa que eu mais amava da minha vida? Podem esquecer, eu não vou seguir em frente. Não vou arrumar mais ninguém, não vou ter filhos e muitos menos viver bem. Nunca mais. Essa pessoa extrovertida e carismática que vocês conheciam morreu, se foi junto com a minha noiva. Nunca mais vai voltar. Porque eu era assim por causa dela. Eu era assim junto com ela. Agora ela se foi e parte de mim se foi junto com ela.

Meu pai apenas franziu os lábios, ele sabia que eu estava certo.

— Não vou falar mais nada que possa te deixar pior. Esse momento é seu, e somente seu. Só você sabe a dor que está sentindo, e eu realmente nunca vou saber a sensação de perder o amor da minha vida. Não um de adolescência. Mas de uma coisa eu sei. Isso vai passar. Quando tudo melhorar e estiver em seus devidos lugares, você vai olhar para o céu e se perguntar como ou porque duvidou Dele. Vai reconhecer que você estava vulnerável, e na real, Ele vai te desculpar, como desculpa todos. Porque Ele sabe, mais do que ninguém, o quanto você está sofrendo. E sabe também porque levou a Nanda de nós. Esse dia não precisa ser amanhã, nem depois de amanhã, muito menos ainda esse mês. Mas quando acontecer, você vai saber. E... Não se preocupe se um dia estiver gostando de alguém. A Nanda que eu conheci, a minha nora, noiva do meu menino, queria tanto quanto eu, em primeiro lugar, a sua felicidade do que a nossa própria. E eu sinto como se ela, independentemente de onde estiver, estivesse querendo o seu melhor. Está querendo te ver bem. É claro que você não vai sair por aquela porta e encontrar uma mulher da qual vai casar e ter filhos, essas coisas levam tempo, talvez meses, ou talvez anos. Mas no meio dessa incerteza, é errado afirmar que nossas vontades de momento sejam definitivas.

— Eu nunca vou deixar outra mulher ocupar o lugar da Nanda. Eu nunca vou me apaixonar, namorar, casar ou ter filhos com outra mulher, senão a Nanda. E todos podem se acostumar com a ideia. Desculpa se estou te decepcionando, pai, mas é a verdade, é o que eu quero.

Ele assente. Dessa vez não disse nada, não retrucou. Ele apenas me puxou para um abraço, sabia que de tudo, era o que eu mais precisava.

— Miguel...

— Maia, não — meu pai nega com a cabeça, a retirando do quarto.

É, realmente eu não queria ver nem falar com ninguém. Precisava de um tempo sozinho, meu pai me conhece tão bem que notou isso.

•••

Estamos chegando próximo de onde ela será enterrada. O cemitério até que é bonito. Chega a ser hipocrisia fazer coisas tão bonitas como essa para quem já está morto. Do que adianta fazer algo tão bonito para alguém que nem sequer poderá aproveitar em vida? Ou ao menos dizer que gostou e achou bonito? Ao mesmo tempo eu concordo que muitos desses corpos que estão aqui valeram a pena em vida. Muitos desses foram alguém como a Nanda foi para mim, mas com outra pessoa. E eu entendo que agora essas pessoas só merecem paz, coisas boas. Pois vendo o que aconteceu com ela, eu só quero que ela esteja em paz. Só quero que ela tenha aproveitado todas as vezes que comeu pastel na feira comigo nos domingos, quero que ela sinta orgulho dos pais dela, que agora estão na administração da igreja, desejo que lá do céu ela seja recebida como eu receberia ela amanhã, no nosso casamento. E... que agora ela seja meu anjinho da guarda, que ela esteja olhando por mim. Porque é tão difícil pensar essas coisas? Droga! Como posso estar dizendo essas coisas sendo que nem sequer aceitei o fato de ela ter morrido? Se nem sequer caiu totalmente a ficha de que nunca mais vou vê-la, senti-lá.

Faltando mais ou menos dois metros para chegar no caixão branco, onde todos estavam de preto ao redor, rezando e lamentando por ela, pude ver a mãe dela em prantos no peitoral do pai, sendo acudida pelo mesmo. Ainda não falei com eles desde ontem, desde tudo o que aconteceu. Se eles me xingarem eu darei total razão. Porque afinal, eu que liguei para ela. Eu que fiz ela sofrer o acidente.

Cada segundo que eu me aproximava eu via uma parte da roupa dela. Os sapatos que ela estava usando eram os seus preferidos. Tamancos na cor preta. Sua roupa... também era uma das que ela mais gostava. Um vestido vermelho com mangas longas de renda. Ela ficava tão sexy nele... e eu nunca me cansei de dizer isso para ela.

Flashback On

Eu estou assistindo futebol na TV da sala da casa dela sentado no sofá, entretido quanto ao meu time, que ganhava de 1x0. Ela se aproximou com o vestido vermelho com mangas longas de renda, do qual estava para me mostrar desde mais cedo, quando ela comprou no shopping. Ele era colado, dando total visibilidade para as curvas de seu corpo. Os sapatos que a acompanhavam eram dois tamancos pretos com um detalhe em dourado na frente, como uma fenda.

— E , aprovado? — Ela desfila na minha frente, de propósito, para atrapalhar minha visão do jogo e me fazer olhar para ela. É claro que deu certo.

— Meu Deus! A cada dia que passa eu fico mais chocado como você consegue combinar com todos os tipos de roupas e sapatos, meu amor — me levanto, segurando sua mão direita no ar, a fazendo dar uma leve giradinha.

— E a cada dia que passa eu fico mais chocada como você sempre pode aumentar minha autoestima de uma forma mais original que a última vez.

— Eu sempre direi o quanto você é maravilhosa, princesa, porque você merece saber.

Flashback Off

Nanda usou esse look completo por diversas vezes, tanto que em alguns lugares ela ficou conhecida como a menina que usa vermelho, como na faculdade, por exemplo.

Me aproximo mais do caixão. Ao ver seu rosto maquiado suavemente com a intenção de esconder os arranhões e cortes sofridos, o que deu muito certo. Imediatamente termino meu percurso até ela, correndo. Me curvo diante o seu corpo, seguro suas mãos. Todos estavam em silêncio, todos respeitaram meu momento. Era a segunda vez que eu a via depois... depois de tudo isso. E é incrível como eles a deixaram do jeitinho intacto que eu a conheci.

— Não, não, volta para mim, por favor — meus olhos lacrimejaram sem que eu percebesse de imediato. — Eu não preparei nenhuma carta, nem nada, porque eu acho que o que a gente viveu em onze anos já daria uma trilogia de livros com direito a Spin-off — as lágrimas finalmente caem.

Me levanto, automaticamente meu olhar sobe para seu rosto. Ela aparentava leveza, calma. Ao olhar para ela, qualquer pessoa poderia sentir esses sentimentos.

— É incrível como mesmo com olhos fechados, sem expressões vivas... você ainda consegue nos trazer paz Fernanda Ferrato. Você me conquistou com o seu sorriso fácil, seu jeito um pouco birrento e bravo de início, antes de te conhecer de verdade. Éramos jovens de treze anos de idade. Nenhum dos dois nem sequer tinham tido a oportunidade de beijar na boca ainda, não com a pessoa que gostaríamos e nos sentíamos bem.

Para Sempre Desde SempreOnde histórias criam vida. Descubra agora