— Eu poderia mentir, mas você me conhece, você sabe quando não está nada bem para o meu lado. Não sei desde quando passei a ser essa pessoa que eu sou nos dias de hoje, um prisioneiro da minha própria mente. O tempo todo eu estou pensando em diversas coisas e tudo ao mesmo tempo, mesmo que essas coisas nunca venham a acontecer um dia, de fato. Faz parte da minha ansiedade. Desde que entrei na facul eu nunca me senti tão desapontado e vulnerável como agora. Parece que a ficha de que quem pode mudar ou criar um futuro para mim mesmo, é somente eu, está caindo aos poucos, agora. Essa responsabilidade toda, é justamente o que estávamos conversando a minutos atrás. Dei todos esses conselhos para ti mas na real eu sou a primeira pessoa que deveria ouvir e praticar eles, a partir de mim mesmo. Eu não sei se isso tudo é porque eu sou filho adotivo, então eu fico o tempo todo com medo, pensando na ideia de acabar desapontando meus pais, acabarem com as expectativas que eles criam sobre mim, entende? Eu sei, eles são os melhores pais que eu poderia ter, sou eternamente grato e SEMPRE vou tê-los como meus pais biológicos, pois sinto o carinho e o amor que vem deles de uma forma que eu não poderia/conseguiria receber de mais ninguém nessa Terra. Mas é justamente por esses motivos que tenho medo. Medo de falhar, medo de errar, medo de não ser alguém na vida. Essa culpa todos os dias, essa cobrança, essa ideia de talvez não conseguir ser quem eu sonhei ou nasci para ser me atormenta dia após dia, ainda mais. A mudança do apê foi punk para mim. Pois ali que eu percebi o quão bagunçada a minha vida estava e o quanto eu não tinha ideia de por onde começar a organizar ela. Aqueles companheiros de apartamento foram bons, bons até um certo instante. É aquilo, né, a gente vive momentos inesquecíveis com pessoas passageiras. Mas depois eles foram se tornando tóxicos, tão tóxicos que a qualquer hora eu iria acabar sendo tóxico também. Consegui me retirar antes de fazer parte do grupo errado deles, antes de ser como um deles. E... Faz tanto tempo que eu não fico com ninguém. Não que isso seja um problema, mas às vezes eu me pergunto se eu sou o problema. Eu juro que até tento arrumar uma saída para tanto caos na minha vida, aquela bagunça interna, mas eu não consigo. Parece que cada vez que mexo uma peça do quebra-cabeça que é a minha vida, mais peças saem do lugar.
Sem dizer nada, apenas abraço meu melhor amigo. Eu não faço ideia de como é estar na pele dele agora, mas sei que não está sendo fácil. Na verdade está sendo mais difícil do que quem vê por fora imagina. Tanto que nem ele sabe explicar o que está sentindo exatamente. Se eu pudesse trocar de pele com ele, com certeza eu trocaria. Estaria ali passando pelo o que ele está passando. Mas não posso. Não consigo. Eu tenho que levantar o astral dele, tentar ajudá-lo, aconselhar, oferecer meu ombro amigo.
— Ei — me afasto do abraço que nos envolvemos depois de alguns minutos acudindo meu amigo chorando em silêncio —, você tem noção do que você acabou de fazer?
Seu olhar era confuso. Bem confuso.
— Romero, você me ouviu, você me aconselhou, me deu verdadeiros conselhos. Os que eu precisava ouvir hoje, nesse momento que estou passando. Me senti leve, muito mais leve com tudo o que saiu de sua boca. Você me acalmou e me fez perceber que nem tudo está perdido, que essas responsabilidades das quais temo como ninguém são consequências da vida e todo mundo está sujeito a passar por isso se quiser uma vida feliz. Entendeu? Cara, você tem noção disso? Você me aconselhou, me deu os melhores conselhos que alguém poderia dar, mesmo estando quebrado e cheio de problemas por dentro. Mesmo com o choro entalado na garganta, mesmo querendo desabar, sentar, se desesperar, você escolheu colocar sua dor no bolso para ajudar seu melhor amigo. Seu primo. Não tem ato mais generoso que escolher ajudar os outros antes de si mesmo.
Vi um sorriso fraco se formar nos lábios dele, mesmo sem mostrar os dentes.
— Mas nem sempre podemos escolher ajudar os outros antes de nós mesmos. Uma vez uma grande pessoa me falou: Miguel, tudo bem você ajudar os outros, tudo bem você sentir a necessidade de ajudar tudo e todos a todo momento, mas... Você se lembra de ajudar a si mesmo? Você se lembra de procurar ajuda para você? Você, Miguel, reconhece que só podemos ajudar os outros estando bem com nós mesmos?! Nossa saúde mental é o nosso abrigo, ela pode alojar várias vidas externas dentro dela, dependendo do estado que ela se encontra. São as pessoas que você tenta e quer ajudar. Mas, pense comigo... Se a sua saúde mental é seu abrigo, e mesmo assim você insiste em abrigar outras pessoas, outras vidas além da sua, não acha que em algum momento... esse abrigo já não vai ser mais seu, mas sim dos outros? Não acha que essa carga emocional que você carrega de cada pessoa que você ajuda, essas energias, boas ou ruins, não afetam no seu interior? Sua mente? Reflita. E... sabe, eu fiquei pensando sobre isso por meses. Até anos. Vivi tantas coisas depois dessa conversa... coisas que só me fizeram ter certeza dessa tese. O que eu quero dizer com tudo isso é que como você mesmo disse, esses conselhos que me deu também servem para você. Estamos passando pela mesma ansiedade, mas por motivos diferentes. Ter medo de não ser alguém na vida, medo do futuro, medo de desapontar os pais, ir mal na faculdade ou nunca encontrar alguém, também faz parte de ter medo de responsabilidades. Como também conversamos, elas fazem parte da vida e não podemos simplesmente falar "ah, não quero passar por isso". Tem coisas que vamos precisar passar para poder aprender, viver. Mais tarde vamos olhar para esses problemas, essa ansiedade toda e rir. Rir por ter se preocupado tanto com coisas que na verdade deram certo. Ou não. Ou então vamos parar e admirar o quanto fomos fortes em tantos momentos de nossas vidas. Uma, duas, três notas ruins ou abaixo do que você está acostumado a tirar não quer dizer que você vai ficar de DP na facul por todos esses anos até que ela acabe. Estar solteiro a muito tempo não quer dizer que vai morrer solteiro. Ter pais presentes e apostando em nós, em nossos futuros, não quer dizer que não vão nos apoiar quando nossa saúde mental esgotar e não estivermos indo bem na vida. Entende? Nada disso é eterno. Assim como os momentos bons, o ruins também são passageiros. Eles sempre passam. Pode demorar, muito tempo na verdade, ou não. Mas uma certeza que todos nós podemos ter é que um dia esses problemas e momentos ruins vão desaparecer do nada, sinal que a vida dá de que a tempestade passou e as flores vão voltar a crescer. E assim como as flores, apesar de todas terem um mesmo modo de serem plantadas, um tempo estimado para crescer e florescer, sabemos que cada uma tem seu ritmo e está tudo bem. Assim é a nossa vida. Às vezes alguém de dezoito anos já conquistou coisas que alguém de cinquenta e oito não conquistou, como também alguém de cinquenta e oito pode ter conquistado coisas que alguém de dezoito não conquistou. E está tudo bem! O importante é cada um ter e seguir o seu ritmo particular.
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Para Sempre Desde Sempre
RomanceComo muitos jovens de vinte e três anos, Miguel e seus amigos adoram uma resenha. Bombeiro e com estabilidade financeira, ele só quer aproveitar a vida ao lado dos amigos e da namorada. Mas uma grande perda o faz ter que mudar radicalmente seu estil...