Intenções

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Depois da perda eu afastei tudo o que me lembrava a Phillip: apegos sentimentais –com duas exceções –, noites estreladas e até mesmo hobbies, como dança e leitura em demasia. O motivo deste último foi por Phillip, sabendo da minha apreciação por livros, ter comprado muitas histórias escritas e encapadas para que eu praticasse aquele hobbie, além de ler todos os artigos feitos pelo meu ex-noivo. Phillip havia prometido que um dia faria minha biblioteca pessoal em uma casa futura, tendo em vista que já juntávamos dinheiro para aquilo.

Assim como diversos sonhos que morreram junto ao meu primeiro amor, a biblioteca pessoal foi esquecida e a leitura, engavetada. Eu lia apenas para pesquisas e raramente como distrações, mas somente livros extremamente curtos.

Porém, com todas as mudanças ocorrentes em pouco tempo, para melhor, principalmente o fato de estar superando minha perda, o lugar em que me encontrara trouxe-me enorme felicidade, ao invés da dor conhecida. Eu estava rodeada de estantes de livros antigos e bem conservados. A passagem secreta que havia em meu quarto, no castelo dos Volturi, levava ao lugar que eu estivera procurando há dias.

E ainda olhando ao meu redor, maravilhada, minha visão focou em Ethan, que estava no meio de tudo aquilo, sorrindo pela minha surpresa. Aquele vampiro teimoso e convencido já se tornara importante demais para mim. Então já era de se esperar que eu o abraçasse o mais forte possível, em agradecimento, e assim fiz. Ele ficou um pouco surpreso no início, mas logo retribuiu meu abraço.

Após me desvencilhar de Ethan, fui até as estantes enormes, inundadas de livros, e procurei por títulos conhecidos, falando “já li este e é maravilhoso” a cada um que encontrava. Mesmo depois de repetir a mesma frase mais de vinte vezes, Ethan dava uma rápida olhada nos livros que eu reconhecia. Ainda que eu achasse que ele apenas fazia isto por minha causa, não conseguia conter a animação espontânea de ver títulos que já lera em outras épocas, lembrando instantaneamente da história que guardavam. Porém, após o quase quinquagésimo livro reconhecido, parei. Eu tinha o conhecimento de que se continuasse, reconheceria mais de duzentos livros e não sabia se a paciência de Ethan permaneceria até lá.

-Me desculpe. Eu devo estar indo rápido demais e são muitos livros que conheço. –falei ao vampiro, o que o fez sorrir ainda mais, do jeito que eu sabia que me cativava. Não tinha mais dúvidas sobre isto.

-Não, Anne. Não precisa se desculpar. Eu leria todos os livros que você fosse lembrando. Já estava começando a fazer a minha lista, porque antes mesmo de você começar a falar, eu ia te pedir recomendações... E, além disso, é muito gratificante te ver sorrindo desse jeito. –senti o toque dos dedos frios de Ethan, no canto esquerdo dos meus lábios e, embora fosse um gesto rápido, foi como se meu corpo se eletrizasse, no mesmo período de tempo.

Mostrei um sorriso ligeiro a Ethan, me esforçando para não parecer constrangida, e fui ver outra estante, assim escondendo meu rosto, como se, por um segundo, eu voltasse a ser humana, sabendo que minhas bochechas corariam.

-Vejo que encontraram a nossa biblioteca. –assim que me virei, vendo que Ethan fizera o mesmo, reconheci Caius Volturi a nos observar, há quase dois metros de distância e, como sempre, ele exibia um sorriso perverso. –A qual aposento tiveram que invadir para isto? Eu não vi vocês entrarem pelo salão principal.

-Nenhum. Nós... –tratei de responder rapidamente.

-Ah sim. –Caius interviu minha fala. –Aro ordenou para que fossem colocados em um dos únicos quartos capazes de os trazerem aqui. –por um segundo, meu olhar foi de dúvida e após perceber isto, o soberano continuou a falar. –Veja ao seu redor, Srta. Wheeler. Há apenas sete passagens e uma porta neste local. –assim olhei para as mesmas, em diferentes cantos da biblioteca, mas contei oito passagens –Ah, aquela é a do quarto de Didyme, a falecida esposa de Marcus. Mas infelizmente nunca a completamos. As outras dão para o quarto em que estão instalados, o de Jane, Alec, Charmion, Marcus, Aro, o meu e a pequena porta dá acesso ao lado dos três tronos, dos quais um me pertence. –pronunciou com orgulho.

Toda aquela explicação pareceria deslocada com o perfil perverso de Caius, mas eu sabia de suas intenções, portanto não me surpreendi. Aro havia o convencido de que eu seria uma excelente arma se me tornasse parte dos Volturi.

-Bom. Então devemos agradecer a Aro pela oportunidade. Anne gosta muito de livros, não é mesmo? –Ethan, com tranquilidade, me passou a palavra.

-Sim. Estava falando para ele, agora pouco, sobre alguns títulos que eu reconhecera.

O sorriso de Caius se abriu ainda mais.

-Ler é uma arte que poucos apreciam. Infelizmente não compartilho de tal apreciação. A não ser, é claro, do livro de regras para os da nossa espécie, seguido pelas consequências de quem as descumpre e, certamente, algumas exceções consideráveis. –naquele instante, o olhar que Caius nos julgou por sermos parte daquelas exceções. –É um livro bem completo. Encontra-se na estante “C”, na prateleira “9”, se quiser. Acredito que Ethan já o tenha lido.

Ethan acenou em concordância.

-Vou ler sim. –informei de forma desafiadora.

-Pois bem. Fiquem á vontade, meus queridos. Eu só vim até aqui porque fiquei curioso com a movimentação. Nós que temos a liberdade de vir aqui, não viemos muito, exceto Aro. Ele compartilha do mesmo gosto pela leitura como o seu, Srta. Wheeler. Se continuar a vir aqui, logo saberá. O que eu acredito que aconteça.

-Certamente. –concordei e era fato. Eu não desistiria da leitura por conta de Aro.

Caius estava esperando ser reverenciado para poder se retirar. Como eu já havia informado a Marcus, eu não me curvaria perante qualquer um dor três e não mudaria isto. Então agradeci a aquele soberano pelas informações que o mesmo nos proporcionara, com o máximo de gentileza possível, e tornei a olhar para os livros. De soslaio, percebi que Ethan também não havia feito qualquer reverência, mas continuou olhando para o Volturi, até que ele saísse.

-Você precisa ter mais educação com quem está te dando abrigo, Srta. Wheeler. –Ethan ironizou. –Mesmo que Caius quis nos matar assim que nos viu, depois ele apoiou Aro e suas excelentes intenções.

-As quais não me agradam nenhum pouco, por isto não pretendo torna-las reais.

-Eu sei. Mas você não pode negar que foram elas que nos colocaram aqui.

-Ótimo argumento, Ethan. Eu sempre quis vir para este lugar maravilhoso. Meu sonho foi realizado. –desta vez eu que ironizei minha fala.

-Eu estou falando que, se não fosse pelas intenções de Aro, nosso destino seria bem pior do que sair daqui em algumas semanas.

Não pude discordar dele quanto a aquilo. As intenções de Aro, mesmo que não fossem realizadas, nos salvaram.

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