12 - "Superficial"

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Isis

Eu e Heitor trocamos poucas palavras depois de acordarmos. Eu pensei que seria esquisito dormir na mesma cama que ele, mas depois da conversa que tivemos, das coisas horríveis que contamos um ao outro, dormir na mesma cama não chegou nem perto dessa intimidade. Além disso, era uma cama grande, nós nem nos tocamos durante a madrugada.

Confesso que fiquei surpresa com tudo o que Heitor me contou, eu imaginava que ele tinha passado por alguma coisa, mas não pensei que ele era filho de um traficante insensível e egocêntrico. Entretanto, fiquei ainda mais surpresa com a minha própria confissão. Existiam pouquíssimas pessoas que sabiam dessa parte da minha vida, e Heitor tinha acabado de se tornar uma delas.

Eu ainda não sabia direito como me sentir em relação a isso, mas tinha sido bom contar para alguém. Tirava um peso das minhas costas e tornava tudo mais real, e isso me ajudava a colocar esse pesadelo no passado, fora da minha mente.

Além disso, por algum motivo, eu confio no Heitor. É difícil de explicar, não faz sentido, eu tenho absoluta certeza de que ele é capaz de fazer coisas horríveis se necessário, mas tenho um instinto ainda maior que me diz que ele nunca faria nada com alguém inocente, com alguém importante para ele e, principalmente, comigo.

— Eles oferecem café da manhã a partir das 6:00 — Heitor comentou pegando o panfleto que estava pendurado na porta. Olhei no relógio do celular: 5:58, perfeito.

— Ótimo, eu estou com fome — Vesti minha jaqueta.

Me aproximei e peguei o panfleto que ele estava olhando. Dei uma risada baixa observando o nome "Recanto Feliz" e lembrando da reclamação do Heitor ontem.

— Sabe, você realmente deveria me explicar sobre a história do nome da oficina de vocês. "Roma" me parece muito óbvio, não imagino você sugerindo isso — Cruzei os braços e ele sorriu.

— E se eu te dissesse que é porque, em português, "Roma" ao contrário é o mesmo que "amor"? — Dramatizou em um flerte fingido, mas se eu dissesse que os olhos dele fixos nos meus não me abalaram nadinha seria mentira.

— Calma lá, bonitão — Mantive a postura — Primeiro, eu te diria que eu já sabia disso, porque eu também falo português — Ele pareceu genuinamente interessado — Segundo, continuaria não fazendo sentido nenhum — Nós dois rimos e ele assentiu.

— Tudo bem, Romeo fez uma aposta comigo em um jogo de cartas, se eu perdesse ele escolheria o nome da oficina. Eu concordei, porque em todos esses anos de amizade Romeo só havia me vencido uma vez — Heitor deu de ombros e eu ri imaginando a situação.

— Duas vezes, agora.

— Exatamente. E ele fez questão de escolher um nome sem graça, mas por outro lado a Itália realmente tem um significado importante para nós dois e para Megan, então eu apenas aceitei — Nós dois saímos do quarto.

— Ok pelo menos é uma boa história — Ele concordou enquanto descíamos a escada.

Nós dois seguimos para o pequeno salão onde era servido o café, pequenas janelas com cortinas floridas cercavam o espaço, mesinhas com dois lugares estavam espalhadas pelo centro, e uma grande mesa retangular de madeira estava lotada de comida.

— Bom dia! — A senhorinha chamada Marly apressou seus passinhos até nos.

Ela usava um avental branco com babado cor de rosa e o cabelo preso em um coque muito bem feito. Não pude evitar um sorriso lembrando da Sra. Evans.

— Vocês acordaram cedo! Fiquem à vontade, o nosso café da manhã é o melhor da região, já que é feito por mim — Heitor deu uma risada simpática — Passaram bem a noite? — Perguntou só para mim, me guiando até a mesa de comidas.

Monstros do EspelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora