Monstros do Espelho

28 - "Única"

Isis

A mensagem de Howard era clara. Ele passou meu endereço para Julian para que eu soubesse que sabe exatamente onde moro. Não importa que eu tenha me mudado para uma cidade isolada no fim do mundo, ele sabe onde eu estou.

— Ele quer que eu saiba que não estou segura na minha própria casa — Joguei água gelada no meu rosto.

Eu estava no banheiro do Heitor, na casa dele. Foi para cá que viemos assim que largamos Julian na rua. Ferrara estava em silencio nos últimos minutos, mas eu sabia que mil coisas passavam pela sua cabeça agora.

— Eu não vou deixar nada acontecer com você, Clay — Ele se aproximou por trás de mim.

— Você não pode me proteger o tempo inteiro, Ferrara — Respondi encarando seu reflexo no espelho, e evitando o meu.

— O inferno que eu não posso — Ele rebateu, me virando de frente para ele — Howard terá que passar por cima de mim antes de alcançar você, Clay — Seus olhos escureceram, eu juro — E, querida, ninguém passa por cima de mim.

Eu não pude deixar de dar um meio sorriso. Heitor se importa comigo, de uma maneira que ninguém nunca se importou, e eu não entendo isso. Passei meus braços em volta da sua nuca e raspei meus lábios nos dele.

Heitor, mesmo irritado, mais do que costuma demonstrar, apoiou as mãos na minha cintura e me beijou.

— Eu passo por cima de você — Murmurei e ele sorriu, descendo uma das mãos.

— Você é a única que faz o que quiser comigo, Isis Clay — Eu sorri.

Eu voltei a olhar para o espelho, com Heitor me abraçando por trás. Nossa diferença de altura fazendo com que minha cabeça alcançasse apenas seu peitoral. Ele colocou meu cabelo para o lado e beijou meu ombro.

Eu olhei fixamente para os meus olhos. O verde esmeralda igual ao do homem que hoje quer me caçar e me matar. Eu nunca esqueceria seu rosto, seu olhar, sua voz... estava tudo impregnado no fundo da minha mente, sempre prontos para me assombrar.

— Sabia que eu passei anos sem conseguir olhar para um espelho? — Perguntei baixo e senti o olhar do Heitor no meu rosto.

— Por quê?

— Toda vez que eu me olho, eu vejo ele. Eu tenho os olhos dele, Ferrara. Nós sempre fomos parecidos — Heitor acariciou meu braço.

— Isis, esse monstro psicopata fez apenas uma coisa boa na vida dele: você.

— Uma vez eu surtei e quebrei todos os espelhos da casa da Sra. Evans, eu era bem jovem. Depois desse dia eu prometi para mim mesma que aprenderia a me controlar, eu não deixaria minha raiva e meu medo de Howard afetarem quem eu sou — Eu fechei meus olhos — Eu quebrei essa promessa tantas vezes...

— Nossa raiva, nossos medos, todos nossos sentimentos e vivências definem quem nós somos, Clay. Isso não é ruim, nem bom, é apenas como as coisas são. Sua promessa era impossível — Ele segurou minha mão — Todos nós temos medo de alguma coisa, só precisamos enfrentá-los até que eles nos tornem mais fortes.

— Mesmo depois de anos, eu ainda evito meu próprio rosto no espelho. Eu não quero mais ter medo dele e nem de mim mesma, Ferrara — Por trás de mim, Heitor beijou minha bochecha e secou a única lágrima que escorria do meu olho.

— Olhe para você, Isis — Falou baixo, mas firme, na minha orelha — Sabe o que eu vejo? Você é a mulher mais linda que eu já conheci — Alisou meu cabelo — Seu cabelo consegue juntar os tons mais fascinantes de dourado, acordar e olhar para ele é o mesmo que sentir raios de sol invadindo o quarto de manhã — Acariciou a lateral do meu rosto — Sua mandíbula? Eu nem sabia que era possível adorar uma mandíbula, mas a sua... com seu queixo para cima, como se sempre estivesse me desafiando... meu Deus, eu adoro.