Epílogo

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Isso É Um Adeus...
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Novembro, 2019.

     Rosas vermelhas foram postas sobre dois blocos de pedra no chão, um ao lado do outro, por um homem de longas madeixas douradas, que cantarolava uma melodia que há muito não se ouvia e que quase acompanhava o farfalhar das folhagens agitadas pelo vento, que anunciava como um menestrel a chegada da chuva.

Londres continuava cinza e melancólica, pouco aprazível e muito fria aos olhos de íris turquesa daquele homem, que apertou o casaco preto de pele sintética quando uma lufada gélida mais forte se fez presente e sacudiu as mechas loiras soltas para todos os lados.

O homem olhou ao redor só por um breve momento, fingindo-se notar que as árvores nuas pareciam porta-chapéus e que a neve suja se estendia pelo caminho como um tapete.

Cruzou os braços sobre o peito, ao parar de cantarolar a canção, e olhou para as lápides novamente, suspirando antes de anunciar o que viera fazer ali, como quem busca uma coragem interior – que poderia só está escondida – antes de fazer um pronunciamento importante.

— Essa é a última vez que visito vocês – disse, sem conseguir evitar que a voz saísse mais embargada do que gostaria. — Eu me casei e estou esperando um filho... quer dizer, estamos esperando, é como meu marido sempre me corrige... – Revirou os olhos como se pudesse ouvir o protesto de Guido Mista de dentro do carro.

Giorno passou uma mecha rebelde atrás da orelha, fechou os olhos e respirou com profundidade. Talvez não soubesse, até aquele momento, o quão difícil seria se despedir de verdade de seus pais e, finalmente, seguir em frente com a própria vida.

E, embora conhecesse Jonathan Joestar apenas por relatos dos tios e amigos, e por ter vivido com Dio na última década até a sua morte de mal súbito com 67 anos, Giorno teve certeza de que os seus pais gostariam de vê-lo feliz sem ter que esperar para viver um passado que não teve ao visitar os túmulos daqueles que lhe geraram.

Ainda assim, com os seus 30 anos, Giorno sentia-se compelido a garantir que eles jamais seriam esquecidos.

— Não se preocupem, falarei de vocês pro meu filho... seu neto... falarei sobre a banda e da "Âmbar no Azul-Celeste", que não me sai da cabeça. Acabo sempre cantarolando essa música quando me distraio... isso acontece desde que Dio me fez ouvi-la. Gosto dela – afirmou para garantir que não era uma crítica. E a pausa se estendeu por uns dois minutos; mordeu o lábio inferior quando se lembrou de algo. — Guido diz que vou acabar viciando nosso filho se eu começar a cantá-la como se fosse uma canção de ninar...

Ele riu soprado ao imaginar aquele futuro próximo onde uma criança, que ainda crescia em seu ventre, corria pela casa enquanto ouvia a canção dos avós. Por se dar conta da própria divagação, se empertigou e firmou o tom de voz.

— O que quero dizer é que vou me mudar de vez para Nápoles. O clima de lá é muito melhor. E só fiquei em Londres, porque Dio havia pedido... mas agora, não há nada que me prenda aqui... e sei que meu pai concordaria comigo. – Olhou à lápide de Jonathan, sem conter um sorriso sincero.

Novamente fechou os olhos com força quando mais uma lufada de ar frio perpassou por seu corpo. Mas era um incentivo que se dava antes de uma tomada séria de decisão.

— Isso é um adeus... definitivo – falou, por fim, como decreto e suspirou. — Adeus.

Giorno girou nos calcanhares pelo caminho de neve que o levara até lá e se dirigiu à saída.

Chegando ao estacionamento, presenciou o marido Guido, dentro do carro, mexer os braços como se tocasse uma bateria imaginária, fazendo o que achava que deveria fazer sem de fato se importar se parecia ridículo.

Giorno riu soprado e entrou no carro pela esquerda, pelo lado do passageiro, levando Guido Mista a parar com os falsos batuques e abaixar o volume da música no painel do veículo, após o susto.

— Encontrei a discografia deles no Spotify – disse Guido como se quisesse disfarçar o constrangimento por ter sido pego em flagrante.

— Tudo bem – respondeu, agradecendo pelo calor que se mantinha dentro do carro ao colocar o cinto. — E pode continuar fazendo a percussão, achei adorável.

Guido riu nasalado e, colocando o cinto, deu partida no carro. Giorno fez um carinho sobre a toca de Guido quando o testemunhou com as bochechas rosadas de vergonha.

— E aí? Como foi? – Ouviu Guido perguntar enquanto ele guiava o carro à saída do estacionamento do cemitério. — Quer dizer, cê tá bem com isso? Podemos sempre voltar aqui se...

— Não preciso voltar – Giorno o interrompeu, com suavidade, sem parar com as carícias sobre a toca do rapaz. — Estou bem. Tenho você comigo...

— Estamos em três! Não esquece, somos uma família agora. Quem diria? – retorquiu Guido, animado. Tentou falar se aproximando com o rosto para perto de Giorno como se quisesse falar olhando para a barriga do esposo, mas sem de fato tirar os olhos do trânsito à frente. — Quando o nosso garotinho desbravará o mundo, hein? Hein?

Giorno ergueu as sobrancelhas.

— Guido, ele tem o tamanho de uma semente. Você precisa trabalhar nessa sua ansiedade, porque ainda estou na quarta semana...

— Quarta?! Não, não, não! Cê tá no primeiro mês de gravidez. Primeiro mês! Nada desse lance de semanas. Nunca sei fazer essas contas com semanas... – disse exasperado, arrancando risos de Giorno. — Tô falando sério. Pra que complicar um negócio que é simples?

— Não sei – respondeu —, mas o que quero saber é se você já se decidiu por algum nome dos quatro que eu listei.

Guido, ao parar num semáforo vermelho, olhou para Giorno com cara de poucos amigos.

— 'Cê tá brincando com fogo, amor... – disse sem esconder aquele leve desespero que sentira ao ler a lista. — Acrescentei um pra dar sorte.

— Ah é? E qual foi?

— Lucky.

Giorno aproveitou para beijar o marido.

— Eu gostei.

· · • • • ✤ F I M ✤ • • • · ·

Âmbar No Azul-Celeste [✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora