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S/N

Sons formam idéias e como elas são entendidas. Até a falta dele é compatível com a compreensão.
Sons são como navalhas e não posso escutar somente aquilo que me convém; É preciso enxergar e ouvir até o vazio.

- Está tudo bem, ok? — Sabrina explica, nervosa.
- É princesa, olha lá... — JJ aponta para o aparelho ao nosso lado mas nem ao menos sou capaz ou ao menos quero visualiza-lo.
- O nosso bebê é tão bonito, linda... Tão pequenininho, como uma cerejinha.
JJ sorrir abobalhado, quase com os olhos esbugalhados mediante o visor.
Um zumbido tinge meus ouvidos e tenho quase certeza de que algo acaba de estourar os meus tímpanos.
  As vozes do meu subconsciente tornam-se mais alta do que a realidade. A obscuridade da minha própria cabeça, se encarrega de corromper o pouco da saúde mental que me restou.
  Me pergunto porque eles estão agindo como se fosse algo mágico, quando na realidade o medo corrói minhas veias e desmonta o meu coração.
  Nesta exato momento, o vazio do cômodo só me notificam de que há uma probabilidade muito alta do meu feto está morto; De novo.
  Quando me dou por mim, já estou chorando. Alto, muitíssimo alto.
  Choro de soluçar, o tipo de choro desesperado, como se tivesse algo grave para expelir e de tanto armazenar, explodiu.
  É assim que me sinto agora, despedaçada, como se tivesse explodido tanto quanto as Torres Gêmeas.
  As lágrimas escorrem freneticamente, compactuando com o desespero que rasga a minha alma em pedaços tão minúsculos quanto o meu filho que muito provavelmente, não está vivo.
  O silêncio atormentador infringe meu coração e a ausência de outro que devia está batendo dentro de mim.
A máquina não notifica os sinais vitais, ou muito menos o som dos batimentos cardíacos do meu filho, somente sua imagem aperfeiçoada.
Não sei o que está acontecendo agora com ele, comigo, conosco.
Não entendo porque o universo insiste em ser tão perverso com nós e principalmente com o que eu sinto.
Não sei de absolutamente nada agora e não há nada tão desesperador quanto não saber.

Braços passam por volta dos meus ombros, enquanto me puxam para mais perto, me prensando contra seu peito na expectativa de abafar o meu choro e não tumultuar os paramédicos do lado de fora da sala.
- De novo não, de novo não, de novo não... — Grito, amedrontada.
Estou descontrolada, tremendo como se estivesse convulsionando e chorando como um animal ferido.
- Preciso que você respire comigo, ok? — JJ sussurra, com os lábios próximos aos meus.
- Deve ser algo com a máquina, gente... — Sabrina tenta balbuciar algo, esbaforida, enquanto remexe nos cabos, espalha uma quantidade absurda de gel na minha barriga, instiga o contato do aparelho na minha pele, tecla infinitos botões, tão desesperada quanto nós.
  Está despreparada, ansiosa, nervosa, angustiada e por falta de profissionalismo, está agindo da pior maneira possível.
  Não posso culpabiliza-lá, eu ocasionei tudo isso. A pressionei, manipulei e instiguei até conseguir o que queria; Talvez agora eu esteja pagando da pior forma o preço das minhas atitudes.
- Até o último segundo eu ficarei aqui esperando o som do nosso bebê, amor. — Uma vozinha rouca adentra pelos meus ouvidos.
- O nosso filho está a salvo, ok? Eu prome... — Malmente consegue concluir sua fala, desata em lágrimas tanto quanto eu.
  Suas gotículas respigam em mim, seu choro abafado se embola com o meu alto, doloroso, estridente.
  JJ cola a testa na minha e desliza o rosto sob meu; É nítido que sua linguagem de amor é o toque e agradeço por isto, neste exato momento só preciso de colo.
  Sua pele molhada, a garganta seca, o som da sua rouquidão e o esforço que faz para não desmoronar é de partir ainda mais o coração.
  Suas mãos entrelaçam às minhas e em um pedido de socorro, JJ começa a rezar.
- Pai nosso que estás no céu... — Funga, controla a respiração.
- Santificado seja o vosso nome... — A voz fraqueja, às lágrimas impedem sua oração.
- Venha nós ao vosso reino, seja feita a vossa vontade... — Soluça alto.
- Aonde estava Deus quando nos fardou a essa desgraça? — Esbravejo, furiosa.
  Estou com raiva, explodindo de ódio, rancor e mágoa.
  A minha fé dissipou-se no exato momento em que a divindade removeu brutalmente de mim o que eu tinha de mais precioso.
  Não será justamente agora, quando a história está se repetindo, que me humilharei novamente para um senhor que nem ao menos vangloria sua filha.
  E então, como se estivesse me escutado e realmente existisse e me abençoasse com seus seres de luz, o milagre aconteceu.
  "Tum-tum" "Tum-tum" "Tum-tum" ecoa pelos meus ouvidos.
  Desta vez eu tive a certeza: Deus coexiste nos mínimos detalhes e em todos os teus sinais.

JJ

Sempre fui fascinado pelo som do mar, às músicas dos Beatles, o barulhos pássaros, da chuva e das folhas que balançam conforme o vento.
Me lembro de pedir a minha professora de literatura para tocar a mesma música no piano umas milhares de vezes somente para escutar repetidamente a melodia.
Gosto de escutar o tom doce da voz da minha mulher me chamando, gemendo, balbuciando o meu sobrenome, gargalhando alto pela casa ou até mesmo telefonando para pedir um pizza.
Tenho cantores favoritos, sons específicos, músicas 'minhas' que com o passar dos anos tornaram-se 'nossa', barulhos estranhos que tornam-se melodias de Beethoven para minha audição.
Todas me proporcionaram sensações magníficas, espetaculares e memoráveis.
A chegada do meu filho ressignificou a minha vida, os meus passos, as minhas escolhas, prazeres e prioridades.
Não seria diferente o som do seu coraçãozinho minúsculo tornar-se a minha canção favorita.

Estou encantado, ouvir este coração batendo a 170bpm compassado, é o misto de sensações que eu precisava para alimentar e iluminar a minha alma.
O som da coração selvagem da minha cerejinha, da fúria e coragem, tão acelerado, como se estivesse gritando lá de dentro: "Papai, eu estou aqui. Estou vivo!" e quase sou capaz de escuta-lo aqui fora.
Parece bateria de escola de samba, carnaval dentro de um hospital ás 17:45 da tarde.
É revigorante, e me faz chorar como um tsunami. As lágrimas jorram sem ao menos pedirem licença mas nem ao menos me incomodo com isto.
Apesar de chorar, não estou triste. Estou sorrindo abobalhado ao ponto das bochechas implorarem por um descanso que não concederei tão cedo.
Meus olhos não conseguem desgrudar do visor e hora ou outra oscilam para a minha garota tão emocionada quanto eu.
Estamos aliviados, emocionados mas principalmente, completos.
- Você está escutando isso, baby? — Seu rostinho lindo vira-se em minha direção.
Nossos olhares se encontram, conectam, chamam, instigam, conversam, se entregam em uma conexão unicamente nossa.
- Está ouvindo o coração do nosso grãozinho ou estou alucinando?
Seus lábios formam uma das criaturas mais bonitas já vistas; Seu sorriso é um fenômeno de outro mundo.
S/n sorrir para mim e nesse momento parece que todo o universo sorriu de volta, ao nosso favor.
Meu coração bate mais forte todas as vezes em que isto acontece.
Há algo de tão bom que agora nos cerca e justamente isso me impulsiona a fazer o que quero a tantos dias.
Adentro minha mão pelos seus cabelos e afago sua cabeça em uma parte específica, a qual eu sei que lhe tirará suspiros.
Agarro sua nuca e a trago para mais perto de mim, especificamente para juntos dos meus lábios.
Selo os meus aos seus e o meu coração bate mais forte, como se fosse saltar pela boca.
É uma sensação tão forte, como um aconchego, sossego, esforço e liberdade.
Seu beijo me trás uma sensação tão doce quanto nossos dias mágicos.
Sua língua mistura-se com a minha tanto quanto a intensidade feroz dos seus lábios que entra em ritmo constante com os meus, na mesmíssima frequência.
Seu beijo é como retornar para casa depois de muito tempo vagando por ai, finalmente reencontrei o meu lar.
  Agora me recordo de tudo o que vivemos, construímos, sonhamos, e sinto tudo aquilo que o nosso amor ainda pode proporcionar.
  A melodia que contempla este momento é a minha música favorita agora. O som dos batimentos cardíacos mais parecem chutes em um bolsa d'água e justamente isto torna ainda mais harmonioso.
  Eu ainda tenho dúvidas de que isto possa dá certo, a incerteza ainda martela meu subconsciente e a insegurança cerca meu coração em rochas tão pesadas ao ponto de torná-lo uma pedra.
  Seu toque, sorrisos, voz, beijo e principalmente gosto é o suficiente para desfazer todas as minhas amarras.

  Afasto nossos rostos, rompendo nosso contato somente pela falta de ar e a aprecio um pouco mais.
  Me pergunto se ela realmente não seja um devaneio, um conto de fadas ou um dos mais belos sonhos que já tive.
  Enquanto a observo, vislumbro e enxergo, tenho a certeza concreta de que tanto precisava.
  S/n é a visão mais nítida, bonita e magnífica, a qual meus olhos tiveram a honra de refletir e o ruído da base fundamental da existência do meu filho, é sem dúvidas a minha sonância predileta.
  Não quero mil amores, quero apenas um que valha por mil.
  Quero a minha garota de volta, criar o nosso filho ao seu lado e construímos a nossa família diariamente com direito ao que temos para oferecer de mais bonito: Nossa história que apesar de conturbada, ainda assim iluminaria milhares de tela de cinema.
S/n: Meu conto de fadas, minha verdadeira história de amor.



• Metas •

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- Com todo amor do mundo, autora! ❤️‍🩹

Me ame ou me odeie- JJ Maybank Onde histórias criam vida. Descubra agora