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S/N

  Escuto a voz de JJ ecoando pelo ambiente atrás da porta. Entendo o lado dele de todo o meu coração, apesar de partido, entendo.
  Mas isso não muda o fato de que ele foi embora, me abandonou sem ao menos uma explicação. Se tivesse sido claro e honesto comigo, teríamos ido atrás da verdade juntos e eu não precisaria passar por nada sozinha.
  Mas eu tive. Tive que enfrentar o Luke, tive que receber a bomba, tive que lidar com a minha própria mente sozinha.
  E agora eu sinto muito, mas não consigo me jogar em seus braços e dizer que está tudo bem porque não está.
  Eu não estou bem. Estou despedaçada, destruída e não há absolutamente nada que ele ou nenhuma outra pessoa faça que tire isso de mim.
  Pego a foto que JJ deslizou por debaixo da porta e é com ela que fico abraçada, deixando as lágrimas rolarem até pegar no sono.

☀️

Já deve ter umas 3h desde que acordei mas ainda continuo na cama.
Não tenho forças pra levantar mas sei que preciso. Tenho que voltar pra casa, estou morando e dando despesas a John já vai fazer quase um mês e perdi todas as aulas e provas da faculdade.
Sei que preciso reagir e voltar a minha rotina mas só a idéia de ter que encarar a realidade parece um soco no estômago.

Levanto e já estão todos na mesa tomando café, rindo como se a vida fosse morangos.
- Bom dia. — Digo entrando na sala.
"Bom dia" "Como você está?" "Eu sinto muito" "Estou aqui" metralham de suas bocas e estou tão atordoada que nem sei quem falou o que.
- Vou voltar pra casa. — Digo enchendo uma xícara de café.
- Não vai. — JJ diz sério.
- Você não consegue ao menos levantar da cama, s/n. Acha que consegue se virar sozinha agora? — John esbraveja.
- Ficar aqui não é sinônimo de fraqueza, amiga. — Kie tenta amenizar a situação.
- A gente só quer cuidar de você. — Pope fala tentando manter contato visual mas eu desvio.

A raiva dentro de mim se expande como se eu fosse explodir. Estou com tanto ódio da forma como eles estão me tratando, como se tivessem algum direito de mandar e desmandar no que eu faço ou deixo de fazer que quando me dou por mim já estou quase gritando na sala.
- Sua mãe foi estuprada? — Falo olhando nos olhos de Kie.
- Sua mãe foi estuprada pelo seu pai? — Pergunto olhando pra John.
- É por isso que algum de vocês aqui existem?
- Algum de vocês se parecem com um estuprador? —Olho pra cada um deles e sinto meus olhos lacrimejarem.
- Vocês carregam o sangue de um criminoso? — Digo e minhas lágrimas escorrem descontroladamente.
- Vocês conseguem entender ou sentir nem que seja 1% do nojo que estou sentindo de mim mesma e a vontade que tenho de querer está morta?
Ficamos todos em silêncio e percebo cada um enxugando suas próprias lágrimas.
- Foi o que eu pensei. — Digo isso e saio pela porta da frente de John B sem nem olhar pra trás.

☀️
JJ

- Meu coração vai explodir de dor. — Kie diz se acabando de chorar.
John se levanta e a abraça para reconforta-la.
- Não podemos desistir dela. — Sarah diz baixinho entrando na sala e se juntando a nós.
- Não vamos. Nem por um segundo. — Pope afirma.

Estou com tanto medo. Nunca imaginaria ver s/n tão vazia por dentro. Seus estão fundos e não entregam mais aquele brilho, desafio ou encanto de antes.
Seu cabelo está preso em um coque e tenho a impressão de que já está assim a dias.
Quero abraçá-la, cuidar e não sair do seu lado nem por um segundo até ela está inteira de novo.
Mas não posso. Sei que ela quer e precisa de espaço agora e não vou em hipótese alguma invadir a privacidade dela.
- Alguém precisa ir lá. — Kie diz decidida.
- Ela está em estado de negação, Kie. — Pope fala.
- E a gente vai ficar aqui esperando o que? Acharem o corpo dela morto depois de uma tentativa de suicídio?
- O que ela disse hoje foi um pedido de socorro. — Kie fala entre as lágrimas.
- A gente não pode deixar ela sozinha agora. Não pode. — Ela continha gritando mas não consegue mais porque John B já a apertou mais forte em seu peito.

*Quebra de tempo*

☀️
S/N

  Já se passaram duas semanas e eu não tenho contato com nenhum dos Pogues.
Estou suspensa da faculdade porque o reitor viu que estava levando vodka dentro da garrafinha ao invés de água.
  Estou vivendo no automático e só assim, não precisando pensar, é que consigo encarar o dia a dia.
  Agora estou cozinhando meu almoço enquanto escuto o novo álbum de Bruno Mars e mesmo que por um mísero segundo, me sinto bem.
  Ouço batidas na porta e vou abrir pensando ser o carteiro e gelo ao ver a pessoa em minha frente.
- Posso entrar? — Sarah Cameron está parada na minha porta, segurando as mãos trêmulas e me encarando com um olhar triste.
  Em silêncio, dou espaço indicando pra que ela possa entrar mas ela continua parada.
- Você não consegue ao menos falar comigo? — Seus olhos se enchem de lágrimas.
  Não consigo me conter e a puxo pra perto de mim pra que possamos nos abraçar.
- Eu... — Ela tenta dizer.
- Não diga que sente muito porque você não precisa sentir. — A afasto pra que possa olhar dentro de seus olhos e continuo falando.
- Eu te amo, s/n — Ela diz com a voz fraca.
- Eu também te amo. A gente não pode se responsabilizar por um erro que não é nosso. Não temos nada dele, Sarah; Nada. Somos apenas duas vítimas, ok?
- Três. Três vítimas. — Uma voz grossa ecoa pelo ambiente e vejo Rafe parado atrás de nós.
  Em menos de um segundo Rafe já está entrelaçando nós duas em seus braços fortes e pela posição consigo ver seus dedos machucados. Com quem quer que seja que Rafe brigou hoje, tomou uma surra feia.
  Nos afastamos pra cada um enxugar suas próprias lágrimas já que estamos os três muito emocionados.
- Minha irmã? A porra da uma irmã??? — Rafe grita, me carrega e roda comigo de tanta felicidade.
Rafe me abraça forte e sinto suas lágrimas escorrendo sob meus ombros e deixo as minhas rolarem também.
- É como se... — Tento falar mas não consigo.
- É como se a gente sempre soubesse. — Ele tira as palavras da minha boca.
- Te amo, Rafe. — Digo.
- Acho que te amo também. — Ele diz com um sorriso irônico.

- Pa-Pa-Patrulha salvadora, patrulha salvadora. — Pope, John B , Kiara e JJ sobem as escadas da minha casa gritando e cantando.
- Vai, vai, patrulhaaaaaaa.
  É impossível não rir ou ficar emocionada quando todos eles me apertam em um único abraço.
  Me sinto tão completa e tão inteira que todo aquele sentimento ruim que existia dentro de mim se dissipa.
  Não sou fruto de um estupro. Sou um símbolo de coragem, garra e força de uma mulher incrivelmente forte.
  É preciso ter muita garra pra ver o rosto do seu abusador todos os dias em em sua própria filha e ainda assim a livrar de traumas maiores, omitindo a verdade sobre sua formação.
  Não sou filha de Ward Cameron, não sou nada dele. Sou criada e inteiramente feita da mulher mais forte que meu eu já viu e sou grata por isso.
  Tenho orgulho da minha mãe, tenho orgulho da sua história e sei que aonde quer que ela esteja, está orgulhosa de mim também.

Me ame ou me odeie- JJ Maybank Onde histórias criam vida. Descubra agora