50

289 31 6
                                    

É uma tortura ficar esperando Maurício dizer alguma coisa, ou pelo menos dar um indício de que eu estou no caminho certo

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

É uma tortura ficar esperando Maurício dizer alguma coisa, ou pelo menos dar um indício de que eu estou no caminho certo. Se eu não puxo um assunto, ele não sai do mundo dele. Mundo onde só ele e Bernardo existem. Eu estou tentando. Deus sabe que eu estou. Até as fraldas de Bernardo estou trocando. Isso quando Maurício não se intromete dizendo que eu não tenho o costume, e que é melhor ele mesmo fazer.

Eu sei que é melhor que ele faça, já que isso é tão natural para ele. Só que se eu mostrasse que posso ser uma boa mãe para Bernardo, talvez Maurício entenda que ainda posso ser uma boa esposa para ele. O que o impede de ver isso, é estar com aquela vadia na cabeça vinte e quatro horas por dia.

Ela é só uma garota imatura na flor da juventude. Fora isso, o que mais ela poderia ser? Daqui uns anos toda essa beleza vai se desfazer, a gravidade vai exercer seu papel em tudo o que ela ainda tem empinado e firme, aquelas tatuagens ridículas vão ficar irrugadas, e logo ela não vai ter mais nada a oferecer a ele.

Um corpo e um rosto bonito que podem ser esquecidos facilmente se ele tirar o foco dela por um instante e olhar para o que temos de mais precioso. Os nossos filhos. Eles são a amplitude do sentimento que temos um pelo outro e que não pode ser apagado por alguém que chegou agora bagunçando tudo que lutei para manter intacto.

Tem horas que eu ainda me pego lembrando do momento em que estávamos chegando de um passeio maravilhoso como há muito tempo não fazíamos, e nos deparamos com ela tentando escapar de fininho da nossa casa. Ela aproveitou que estávamos fora e invadiu nossa propriedade, mexeu nas minhas coisas e ainda as roubou. Coisas que, até uns dias atrás, eu preferia que continuassem escondidas.

Depois de um tempo, comecei a olhar isso tudo por outro ângulo. O que ela me fez foi um favor. Entendi que eu precisava que aquilo tudo sobre Bernardo fosse exposto para que eu pudesse aceitar que tudo deu errado, mas que agora pode dar muito certo. Pode ser a solução para um problema que eu criei. O meu erro gerou uma vida, e essa vida quase custou a minha sanidade mental, meu casamento e minha família.

E no meio disso tudo, o inimaginável aconteceu. Meu marido aceitou Bernardo como se fosse dele, esquecendo que ele veio de uma traição, esquecendo que, além de uma criança com problemas, ainda tínhamos um casamento quebrado para consertar. Esqueceu de tudo. Até de mim. Fui trocada. Ele passou a amar o meu erro, enquanto eu só o odiava por isso. Como ele conseguiu me ignorar por tanto tempo, eu não sei, mas sei que errei, e que é hora de começar a reparar esse erro.

Talvez isso seja a chave que vai virar toda essa situação. Se eu deixar que ele se torne alguém normal, eu posso um dia esquecer que ele não é de Maurício. Posso fingir que nada desandou na minha vida, e então tudo pode ser restaurado. Meu casamento, minha família, e toda a bagunça que eu tento manter em ordem dentro da minha cabeça, o que não é fácil de fazer. Aliás isso tem se tornado cada dia mais difícil.

Hoje é um dia muito importante nessa nova etapa. Enfim Bernardo poderá ser internado, se tudo estiver bem com os exames dele, é claro. Se me lembro bem, o intervalo entre uma cirurgia e outra será de quinze dias, então, calculo que em vinte dias, ou no máximo um mês, estaremos voltando para casa. Lá sim, eu tenho certeza de que as coisas vão começar a voltar ao normal. É o nosso lar, onde vivemos os melhores momentos das nossas vidas. E se Bernardo tiver algum progresso, isso vai minimizar qualquer dano que ele tenha trazido desde que nasceu.

— Falta muito aí, Val? — Maurício pergunta do lado de fora do banheiro. Eu vim tomar banho enquanto ele arrumava Bernardo para irmos para o hospital.

— Eu esqueci meu vestido em cima da cama — aviso. — Pode trazer pra mim?

Na verdade, eu não o trouxe de propósito. Imaginei que, se ele me visse de langerie, pelo menos, poderia lembrar que ainda sou uma mulher. E mulher dele, por sinal. Ouço seus passos chegando na porta do banheiro e a abro para revelar o que ele tem perdido por não parar de pensar nessas cirurgias, que serão um sucesso, graças ao cirurgião que ele encontrou. Para minha surpresa, Maurício não ergue o olhar para mim. Apenas continua concentrado em abrir um pacote de biscoitos para Bernardo.

Respiro fundo e fecho a porta para continuar me vestindo. É com isso que eu lido todo santo dia desde que esse menino nasceu. Ainda sim, é melhor que perder meu marido para uma garota intrometida. Quando saio do banheiro, Maurício se levanta da poltrona com Bernardo e me olha diretamente nos olhos, sem nem inspecionar como estou vestida. Sem elogios, sem nada.

— Pode segurar ele por um instante? — pergunta já me entregando Bernardo. — Eu tô apertado.

Assinto tendo a plena certeza de que não estou nada à vontade com isso. É só ele estar totalmente sobre os meus braços que tudo começa. Eu não quero que Maurício saia das minhas vistas e me deixe sozinha com Bernardo no colo, mas não tem outra opção. Todo o meu corpo começa a tremer como se eu estivesse sustentando mais do que consigo suportar. E é mais ou menos isso. É demais para mim. Ele é a razão de Maurício ter deixado de me amar. Ele nem merecia ter experimentado a sensação de inspirar o oxigênio desse mundo pela primeira vez.

Meu Deus... O que estou pensando?

Tento ficar o mais imóvel possível, o que fica difícil quando Bernardo toca minha orelha, ou o meu brinco, eu não sei. Eu quero que ele pare, pois estou começando a sentir como se alguém estivesse apertando o meu pescoço e me impedindo de respirar. Meu rosto começa a formigar e a esquentar quase que na mesma intensidade. Parece que meu sangue parou de circular.

— Você tá bem? — a voz de Maurício alivia tudo quando ele sai do banheiro secando as mãos em uma toalha. Meu sangue volta a circular normalmente, volto a respirar sem dificuldade, e o peso some dos meus braços. Faço gestos positivos com a cabeça, evitando-o para que ele não perceba o quanto transpirei nesses vinte segundos que mais pareceram vinte horas. — Então vamos logo. Não quero que a gente chegue lá atrasado.

╭═──────═⌘═──────═╮

Gente, foi muito difícil escrever esse capítulo.
A mente da Vallentina parece uma tubulação de esgoto remendada, vasando sujeira aqui e ali.
Nada justifica, mas ela precisa de tratamento urgente.

╰═──────═⌘═──────═╯

Capítulo publicado em 11/02/2022

Entre erros e acertosOnde histórias criam vida. Descubra agora