A onda de entusiasmo é mais forte agora. Maurício está disposto a buscar um parecer de outro médico sobre a deficiência de seu filho. Eu consigo compreender que ele não quer alarmar Vallentina pelo que pode ser apenas uma possibilidade. Mas ela é a mãe de Bernardo.
O médico que Lívia indicou é do Rio de Janeiro, e eu não vejo como levar Bernardo até ele sem que ela saiba. Eu quero perguntar isso a Maurício. Quero saber o que ele tem em mente para conseguir ir atrás de respostas, só que eu já me meti e opinei demais nesta questão.
Praticamente exigi à Lívia o contato do médico enquanto Maurício estava passando pelo momento de choque. Ameacei eu mesma ligar para o ortopedista se ele não o fizesse. O que eu podia fazer, já fiz. O cartão agora está nas mãos dele. Tudo agora está nas mãos dele.
O silêncio que sucedeu nossas últimas palavras me deixou um tanto incomodada. Maurício é imprevisível, indecifrável. Uma hora está revelando coisas sobre ele, sobre Bernardo. Em outra, emudece por completo e parece entrar em um abismo, onde se esconde e fica inalcançável. Não sei bem a razão, mas prefiro quando ele está comunicável. Na superfície, e não quando entra neste oceano escuro.
— Cadê a Doblô? — questiono quando chegamos ao local onde ela havia enguiçado.
— Teve que ser rebocada — responde ele.
— Mas fica pronta ainda hoje? — Maurício tira os olhos do trânsito por alguns segundos e me encara. — O caminho da sua casa até o ponto de ônibus é…
— Eu levo você em casa. — ele entrecorta minhas palavras.
Quero protestar, pois acho que essa não é uma boa ideia. Talvez até seja, mas para mim, passa a não ser à partir do momento em que consigo reconhecer que não o vejo mais com a mesma distância que eu havia criado.
— Mas e as crianças? Como vou buscar elas na escola?
— Eu dou um jeito, porra!!! Você não consegue calar essa boca um pouco?!
Estremeço com o berro de Maurício. Não acho que minha pergunta foi suficientemente insistente para irritá-lo, mas isso só comprova o que eu já sabia. Ele é imprevisível. Uma granada sem pino. Não se pode saber quando vai explodir, mas pode-se ter a certeza que uma hora vai.
Para mim basta.
Minha avó dizia que todo mundo tem uma missão na vida. Eu nunca tinha percebido qual era a minha, ou se isso era realmente verdade. Mas depois de ter feito uma ponte entre Bernardo e outra pessoa da área da saúde, acho que está cumprida a minha. Maurício já sabe que o filho pode não ter paralisia cerebral. Tem um contato de um bom médico, capaz de dar respostas sobre a sensibilidade que ele tem. Gente que precisa trabalhar, tem a rodo. Não sou mais útil aqui.
— Pode me deixar em um ponto de ônibus qualquer, por favor. Eu tô abrindo mão desse trabalho.
— O quê?! — ele pergunta parecendo incrédulo.
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Entre erros e acertos
Chick-LitSer mandada embora de um emprego meia boca em um dia e começar a trabalhar em um novo local no outro, vai virar a vida de Diandra Mello do avesso. Aos vinte e cinco anos, ela vai enfrentar inúmeros obstáculos tendo Vallentina e Maurício Galzerano co...