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Correr... Correr... Correr. Era só no que eu pensava, eram as palavras que eu repetia na minha cabeça, gritando, desesperada, como um mantra.

Corre, Catarina, não pense em nada, apenas, corra.

Ouço buzinas de carros, não me importo, também não me importaria se algum me atropelar quando eu entro no meio deles, desesperada, despedaçada, correndo.

As lágrimas turvam a minha visão, eu não paro. Eu preciso correr, preciso chegar na casa da tia Abgail, se eu parar eu poderei nunca mais entrar pela porta daquela casa amarela.

Minhas pernas reclamam, mas a dor é boa, é bem vinda, eu queria que fosse mais forte, bem mais do que a que sinto rasgando o meu peito de dentro para fora.

Corra Catarina, não pense. Você não pode pensar, não agora, apenas correr desesperadamente até não aguentar mais. Sinto meus pés ferindo contra o asfalto, parece que pisei em algo pontiagudo, não me importo, nenhuma dor vai me machucar mais que a interna, nada no mundo irá me machucar mais.

Um soluço desesperado escapa pelos meus lábios. Não. Ainda não. Eu preciso chegar na casa amarela, preciso estar na proteção daquelas paredes, porque tia Abgail tinha que morar tão longe? Porque eu tive que sair de casa hoje? Porque eu saí da fazenda do meu pai no interior de Minas Gerais e vim para a cidade? Porque Deus? Porque eu?

Os questionamentos começam a rodar a minha mente, agora não, repito para mim mesma, eu não posso parar, então continuo correndo. Mesmo quando um homem em uma moto grita algo quando passo em disparada na sua frente, quase nos atropelando, nem quando o vento do caminhão fazem os meus cabelos esvoaçarem e o motorista grita maluca da janela do veículo. Não paro nem mesmo quando o meu corpo implora por descanso.

Mais duas ruas e chego na casa amarela, mais duas ruas e posso desabar em paz, não, eu nunca mais terei paz, agora sobre desabar... Sinto que quando eu cair, nunca mais me reerguerei.

Meus passos soam alto no chão, meu coração retumba no peito, quase não enxergo nada com as lágrimas caindo como enchurradas pelos meus olhos.

Sinto que irei fraquejar então aperto o passo, meu corpo grita em protesto, mas aumento a velocidade, o marido da minha tia está na porta com Mikael, meu primo de dez anos. Tio Carlos me vê aproximando e arregala os olhos em espanto.

— Catarina? — Chama, surpreso.

Observo quando ele passa os olhos pelo meu corpo, em seguida leva as mãos a boca, em sinal de descrença, arranco a toda velocidade para dentro de casa, sinto ele as minhas costas, mas não paro. Empurro a porta de meu quarto e entro no banheiro, meu tio está berrando pelo meu nome, pelo nome da minha tia, por Cristo e por tudo.

Bato a porta do banheiro com tudo, me trancando lá dentro, ajoelho no chão, desolada, e então libero a represa dentro de mim. Meus soluços me fazem balançar o corpo, grito em desespero, me estapeio, sinto nojo, sinto dor, desejo a morte.

Ouço gritos do lado de fora, mas não me importo, nada mais me importa, eu só queria morrer, apenas, morrer. Meu tio chama pelo meu nome, minha tia pede que eu abra a porta, eu não consigo respirar, algo entala dentro de minha garganta, me arrasto até o vazo e deixo o vômito vir, tremo, choro, vomito tudo, até que sobre apenas os espasmos.

Fecho a tampa do vazo e dou descarga, um zumbido forte me tira do transe, olho e vejo minha tia entrando, tio Carlos arrebentou a tranca, tia Abgail se joga sobre o meu corpo danificado, chora comigo nos braços, clama pela misericórdia do senhor, me pede desculpas por algo que ela não tem culpa, eu grito desesperada, ela me esmaga no seu abraço, tentando tirar a minha dor, ou a sua própria já que está vendo a menina que ela viu crescer, arruinada.

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