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Mais uma vez um grito desesperado irrompe da minha garganta, levanto olhando para todos os lados, escuridão, apenas escuridão. Meus batimentos cardíacos aceleram, a respiração se torna frenética, passos apressados do lado de fora, alguém empurra a porta, a luz se acende. Meus pais e meus tios estão a minha volta, olhando-me com preocupação, levo as mãos a cabeça, o nervoso me dominando.

— Ei, docinho, se acalme, foi só um pesadelo. — tia Abgail diz se aproximando.

— Filha, não tenha medo, foi só um pesadelo! — mamãe repete me abraçando.

Me aconchego em seu abraço e choro baixinho, ela diz palavras suaves, acaricia meus cabelos, me acalmando, até que o choro cesse, limpo meu rosto e olho ao redor, todos nos observam, em silêncio, vejo um misto de sentimentos no olhar de cada um, não aguento o peso desses olhares, então, em silêncio, escorrego para o aconchego de minha coberta. Eles permanecem por alguns minutos, fecho meus olhos, e ouço um por um, saindo do quarto, o último que sai apaga a luz e fecha a porta, abro os olhos, contemplando o breu.

***

Antes do amanhecer estou de pé, ando até o banheiro e tomo um banho, observo minha pele, seu tom claro perdendo a cor para tons arroxeados e verdes, os ferimentos na minha vagina e pernas ainda com curativos, lavo como me foi instruído, repetindo os procedimentos que a médica explicou, depois de pronta, procuro por outra calça que seja folgada, evitando ferir ainda mais minhas partes íntimas, visto uma blusa de manga longa, e não me importo em arrumar os cabelos, mantendo os em um coque bagunçado. Pego uma mala no guarda roupa e deposito minhas coisas dentro, não pego as saias e vestidos, não tenho mais interesse em usá-los, organizo tudo o que preciso na mala, e a fecho, deixando pronta para a viagem.

Saio do quarto e encontro tia Abgail na cozinha, sorrio para ela quando me nota, puxo uma cadeira e me sento, ela se aproxima depositando um copo de café com queijo na minha frente, descarto, sem vontade alguma de comer. Mas ela insiste, dizendo que preciso me alimentar, que devo me manter forte para superar tudo o que passei.

Ah tia, a senhora não tem ideia, não é mesmo? Eu nunca vou superar o que passei.

Com um suspiro cansado, tomo um gole do café, ela sorri me encorajando a continuar, leva suas mãos a minha cabeça, em um gesto carinhoso, mordisco o pedaço de queijo, o sabor que antes eu amava, não me causa a mesma atração, a vida não me causa nenhuma atração.

Tia Abgail se mantém ao meu lado, tomo mais um gole do café, empurrando o queijo para dentro, tento outra mordida mas desisto, deixo também o café pela metade. A ouço respirar fundo, mas não diz nada, pega o prato e leva o copo a pia.

Me recosto na cadeira, tomando cuidado para não ferir ainda mais as minhas costelas que doem um pouco, respiro fundo, canalizando toda a dor física que sinto, ela não é nem de perto parecida com a que sinto na alma.

Fico quieta, pensando em tudo ou em nada ao mesmo tempo, tio Carlos aparece um tempo depois, me dá um sorriso contido.

— Bom dia, Cat! — cumprimenta, lhe dou um aceno de cabeça em resposta, vejo seus olhos nublado, pena, é o que vejo, desvio de seu olhar imediatamente.

Mikael também adentra o recinto, uma carinha de sono que sempre achei fofa, o menino me vê a sua frente e franze a testa em confusão, o encaro sem nada dizer, ele me observa por um longo tempo, depois da de ombros e vai até a mãe.

Meu pai, Miguel e mamãe entram juntos, quando me vê, meu irmão cora envergonhado, faço menção de um sorriso, tentando lhe dizer que está tudo bem, ele entende, balançando a cabeça em confirmação. Mamãe se aproxima, beija o topo da minha cabeça e acaricia meus cabelos, toco o seu braço com carinho, papai dar alguns passos em nossas direções, olho para ele que leva a mão ao meu rosto, me retraio, por instinto, e ele fecha a mão em punho.

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