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Um ano depois.

Brinco com a gola do meu moletom, sentada na poltrona acolchoada, enquanto Hanna observa pela janela os carros passarem lá em baixo, olho para o relógio, faltam dez minutos, ainda bem. Ela tamborila com os dedos na vidraça, me preparo para ouvi-la falar, passamos duas horas na sala, ela decide conversar faltando dez minutos, agradeço mentalmente por isso.

Um suspiro pesado ecoa pela sala, franzo a testa, ela nunca demonstra fraqueza, a encaro com curiosidade, mas ela está com o olhar voltado para além da vidraça.

— Um ano. — começa. — hoje faz exatamente um ano em que você senta nessa poltrona e fica vendo o tempo passar, não se comunica, não me responde. Me ignora a um ano. — rolo os olhos. — Estão me pressionando quanto ao seu caso. — ergo a sombrancelha para as suas costas. — eu também tenho que me explicar, sabia? — encaro o relógio, oito minutos. — já fiz inúmeras pesquisas para te ajudar, conversei com vários amigos da área da pscicologia, tentei de tudo, mas você não reage, não quer reagir e isso é tão frustrante. — cinco minutos. — Você me faz duvidar de minha própria capacidade, faz com que eu tenha dúvidas sobre o meu diploma. — três minutos. — eu tento de tudo, Catarina, mas se você não aceitar que deve seguir em frente, se tratar e superar, então você vai continuar na mesma, porque eu posso querer, sua mãe pode querer, mas se você não quiser nenhum de nós poderá te ajudar. —se vira para me encarar. Um minuto. — você está fazendo o teste para voar? Porque está cada dia mais magra, daqui a pouco vira um esqueleto humano vivo. Essas suas olheiras estão horríveis, parou de dormir de vez? E que roupa é essa que está usando? É uns quatro tamanhos maior que o seu, não poderia pelo menos... — acabou o tempo. Ergo da poltrona e pego minha bolsa, ela para levando as mãos a cintura, vejo indignação em seu olhar por eu não esperar que termine sua bronca, dou de ombros e sigo para a porta, saindo da sala.

A um ano o meu pai decidiu que eu deveria sim procurar uma pscicóloga, sem querer vê-los sofrendo mais, aceitei, porém aceitarnão significa aceitar me comunicar então os nossos encontros semanais se resume em eu chegar, sentar, ela encarar a enorme janela da sala, e esperar o tempo passar.

No início ela falava, até demais, para ser sincera, mas eu não prestava atenção, então foi diminuindo, até parar, todos as vezes um caderno é colocado a minha frente, assim como uma caneta de cor azul, nunca toquei nem em um nem em outro, e isso a irrita, vejo em sua postura rígida.

Se tem uma coisa que somos capazes de fazer quando passamos tanto tempo observando outra pessoa, é que com a convivência conseguimos prever até os passos dela, e talvez eu conheça a minha pscicóloga até melhor que ela própria.

Sorrio com o pensamento irônico, era para Hanna me conhecer tão bem, não eu a ela. Não a considero incompetente, mas tenho o direito de não falar sobre o que aconteceu, e no final das contas, me divirto com a carranca dela quando chega o final da sessão e eu vou embora como se nada tivesse acontecido.

Com o tempo também aprendi a gostar dela, ela não sabe disso, talvez se soubesse tentaria tirar proveito da situação. Psicólogos são ardilosos, ou somos mais espertos que eles ou eles nos dominam, e não estou a fim de me deixar ser dominada por Hanna.

Passo pelo elevador e abro a porta vermelha que dá para as escadas, olho para trás a tempo de vê uma jovem e esguia loira me encarando da porta do consultório, são seis andares até chegar ao térreo, um bom banho de suor descendo pelos degraus, maldita Hanna que se diverte com a minha situação, ergo a sombrancelha para ela que ri em deboche, ignoro sua provocação e bato a porta iniciando minha decida costumeira.

Chego no térreo e um fio de suor escorre por minha testa, melhor que no início, estou boa nisso. Caminho para a saída e assim que passo pela porta vejo meu pai em pé, escorado na camionete, logo me nota e vejo ansiedade em seu olhar, sinto-me mau por fazê-lo ter tanta esperança nessa terapia, e por engordar os bolsos de Hanna toda semana.

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