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AS FÉRIAS NA CORTE ESTIVAL

FEYRE

Dois dias se passaram. Cada momento era um número de malabarismo entre a verdade e as mentiras. Rhys se certificou de que eu e Helena não fossemos convidadas para as reuniões que ele e Amren convocaram para distrair nosso gentil anfitrião, o que nos deu tempo para vasculhar a cidade em busca de qualquer sinal do Livro e do cálice. Mas não muito ansiosamente; não muito avidamente. Eu não podia parecer intrigada demais conforme percorresse as ruas e as docas, não podia fazer muitas perguntas tendenciosas às pessoas que encontrasse, a respeito dos tesouros e das lendas de Adriata. Helena sabia controlar a ansiedade por fora, exceto pela falta de uma alimentação decente que denunciava seu nervosismo. Ela estava bem, aproveitando os momentos na corte, estava até mesmo bronzeada e a vi deliciando - um pouquinho - um bom peixe, mas parecia ao mesmo tempo distante, se obrigando a permanecer inteira entre nós e não mergulhada na saudade que sentia de Az, eu sabia disso.

Quando acordei, ao alvorecer, me obriguei a esperar até uma hora razoável antes de sair pela cidade, me obriguei a tomar um banho demorado para secretamente praticar aquela magia de água. E embora moldar animais de água hora após hora tivesse se tornado entediante... era fácil para mim. Talvez por causa da proximidade com Tarquin, talvez por causa de qualquer que fosse a afinidade com a água que já estivesse em meu sangue, minha alma — talvez até mesmo pela ligação com Helena, embora eu certamente não estivesse em posição para perguntar. Depois que o café da manhã foi finalmente servido e consumido, me certifiquei de parecer um pouco entediada e sem rumo quando peguei Lena pela mão e saímos pelos corredores iluminados do palácio a caminho da cidade que despertava. Quase ninguém nos reconheceu conforme nós casualmente examinávamos as lojas e as casas e as pontes, em busca de qualquer lampejo de um feitiço que tivesse a sensação de Tarquin, embora duvidasse que tivessem motivo para isso. Haviam sido os Grão-Feéricos — a nobreza — que foram mantidos Sob a Montanha. Aquelas pessoas foram deixadas ali... para serem atormentadas. Cicatrizes cobriam os prédios, as ruas, pelo que tinha sido feito em retaliação à rebelião deles: queimaduras, pedras sulcadas, prédios inteiros transformados em escombros. Os fundos do castelo, conforme Tarquin alegara, pareciam realmente no meio de uma obra. Três torres de vigia estavam pela metade, a pedra marrom, chamuscada e quebradiça. Nenhum sinal do Livro. Nenhum sinal do Cálice. Trabalhadores se ocupavam ali — e por toda a cidade —, consertando aquelas áreas quebradas. Exatamente como as pessoas que eu via — Grão-Feéricos e feéricos com escamas e guelras e longos e finos dedos palmados; todos pareciam estar se curando lentamente. Havia cicatrizes e membros faltando em mais de um que contei. Mas nos olhos... nos olhos, a luz brilhava. Eu também os salvara. Libertara-os de quaisquer que fossem os horrores que ocorreram durante aquelas cinco décadas. Tinha feito algo terrível para salvá-los... mas os salvara. E jamais seria o suficiente para me redimir, mas... Eu não me sentia tão pesada, apesar de não encontrar um lampejo da presença do Livro, muito menos do cálice, quando voltamos ao palácio no alto da colina na terceira noite para esperar o relatório de Rhysand sobre as reuniões do dia; e saber se ele tinha descoberto alguma coisa também. Conforme subi os degraus do palácio com Helena ao lado, me xinguei mentalmente por permanecer tão fora de forma mesmo com as lições de Cassian, ao passo que Helena não perdera o fôlego sequer uma vez, vi Amren empoleirada na beira da varanda de uma torre de vigia, limpando as unhas. Varian estava encostado à soleira da varanda de outra torre, ao alcance de um salto — e me perguntei se ele estava imaginando se conseguiria cobrir aquela distância rápido o bastante para empurrar Amren. Um gato brincando com um cão... era o que aquilo era. Helena deu um puxão em nosso laço, e a encarei. Ela sorriu discretamente e piscou um olho. Amren estava praticamente tomando banho, silenciosamente desafiando-o a se aproximar o bastante para farejá-la. Duvidei de que Varian fosse gostar das garras dela. A não ser que fosse por isso que ele a seguisse dia e noite. Sacudi a cabeça e olhei incrédula para a dona da voz brincalhona em minha cabeça. Lena deu de ombros sorrindo e continuou a subir os degraus — observando conforme a maré baixava.

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