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AZRIEL

Fiquei em choque por meio segundo antes de deslizar um guardanapo sob o sangue que escorria do nariz de Helena. Suas mãos tremiam e ela parecia imersa em algum outro plano, seus olhos presos em um ponto fixo na parede. No intervalo de um batimento cardíaco Feyre já estava ao lado de Helena, segurando suas mãos apressadamente e tentando fazê-la reagir. Rhys em seu encalço parecia buscar em seus poderes o que quer que estivesse acontecendo e eu permaneci limpando o sangue que não parava de escorrer de suas narinas. Meu coração tropeçava de medo, de impotência, de um tipo de culpa por não conseguir ajudar mais.

__Lena, tudo bem. É a Fey, estamos bem. Todo mundo está bem. Respira fundo. — Feyre repetia várias vezes, passando as mãos pelos braços da irmã. Ela continuava dizendo que todos estávamos bem; imaginei que não fosse a primeira vez que aquilo acontecia.

Mesmo com a tranquilidade que a voz de Feyre tentava passar, nem mesmo o poder de Rhys vasculhando a mente de Helena conseguiu fazê-la melhorar. As coisas só pioraram quando todo o corpo da fêmea começou a tremer.

__Rhys, faz alguma coisa! — Cassian rugiu, andando de um lado a outro sem saber o que fazer.

__Estou tentando. — disse Rhysand entredentes. — A mente dela é tão poderosa... — ele sussurrou.

__Foi a conversa. — Feyre parou o mantra de "Estamos todos bem" que recitava para encarar Rhys, sua testa franzida em desespero. Ela me encarou quando perguntei:

__Como assim? — eu segurava a mão de Helena depois de ter limpado todo o sangue em seu rosto. Meu corpo estava rígido e minhas mãos suavam com aquela visão. Ela parecia tão atormentada...

__Ela absorve tudo. — foi a resposta prática de Feyre antes de voltar a dizer docemente que tudo estava bem. Olhei entre meus amigos; todos estavam pálidos e com semblantes em angústia ao ver a cena e não saber como prosseguir, ou como ajudar. Nem mesmo o Grão-Senhor.

__Lena... — chamei com o tom mais suave que consegui usar. Coloquei uma mecha de seu cabelo atrás da orelha e me aproximei mais, tomando seu rosto em minhas mãos. — Helena, fala comigo. Por favor anjo... — sussurrei a última parte, e como se algo estalasse em sua mente, ela pousou os olhos em minha direção. Seu olhar me quebrou e em um instante ela estava em meus braços. Eu a segurava forte contra mim, seu rosto em meu peito e seus braços trêmulos ao meu redor. Fiz de tudo para protegê-la naquele abraço.

__O que... — Feyre murmurou, mas foi interrompida por Mor, que a pegou pela mão e a conduziu para longe. Não olhei para nenhum outro lugar que não fosse qualquer parte de Helena, mas sabia que todos haviam nos deixado sozinhos na mesa de jantar. Para onde foram, eu não sabia. E naquele momento, não me importava. Só me importava com o que quer que a mulher em meus braços estivesse passando.

__Por favor, fala comigo. — supliquei no meu desespero desenfreado. Senti as lágrimas dela em meu pescoço assim que seu rosto descansou ali e ela respirou fundo, inalando parte da minha alma com ela. Enterrei meu rosto na curva de seu pescoço e deixei que ficássemos abraçados daquele jeito o tempo que ela precisasse. Que eu precisasse.

Estávamos enrolados por uma meia hora quando as lágrimas secaram e a respiração de Helena voltou ao normal. Eu a sentia piscar como cócegas no meu pescoço devido aos cílios longos da mesma. Só notei que estava fazendo carinho em suas costas quando parei por um momento e ouvi um resmungo dela, me levando a rir baixinho. Ela sorriu contra mim e se afastou devagarinho até me encarar. Limpei seu rosto salpicado de marcas d'água e fui impedido de tirar minhas mãos dali quando Helena colocou as próprias mãos sobre as minhas. Ela respirou fundo três vezes antes de fechar os olhos, franzindo a testa como se sentisse dor com aquilo. Dor física. Estremeci.

__O que aconteceu? — minha voz era doce, suave. Saiu baixinha, quase num sussurro. Não queria a assustar ou pressiona-la. — Pode me contar qualquer coisa.

Seus olhos verdes me encararam novamente. Brilhantes pelas novas lágrimas acumuladas e com uma torrente de tortura que me desestabilizou. Deixei que meu polegar acariciasse sua bochecha e permaneci ali, inteiro para ouvi-la quando ela estivesse pronta.

__Me desculpa... — aquela voz rouca e falhada quase me levou às lágrimas também.

__Não, não, ei. — cheguei mais perto, minhas pernas abraçavam as dela e nossas respirações eram quase uma só. — Você não fez nada de errado. Por favor, não... não peça desculpas. — suspirei. — Nunca. Você não fez nada. — neguei com a cabeça tentando fazê-la entender. — Eu só quero saber como te ajudar. O que fazer... só quero saber o que aconteceu com você. Você pode me contar? — pedi com carinho. — Pode me mostrar o que aconteceu?

Ela assentiu lentamente, passando seus dedos trêmulos pelos meus braços até chegar em meu rosto. Ela segurou-me com toda delicadeza que emana dela e soltou um soluço em meio as lágrimas mais grossas que agora caiam.

__Shhh... tudo bem... está tudo bem... — permaneci acalmando-a até que a mesma estivesse pronta. Suas mãos em meu rosto estavam mais quentes do que quando tremiam friamente no transe de momentos atrás; ela fechou os olhos e antes que eu pudesse piscar, fui induzido a fazer o mesmo. Ela estava em minha mente.

As aulas de Rhysand quinhentos anos atrás surtiram efeito durante toda minha vida; exceto com Helena. As paredes grossas e impenetráveis lápis-lazúli que construí em minha mente para que nenhum outro daemati pudesse invadir meus pensamentos eram como um véu fino e quebradiço contra as carícias gentis e mansas do poder de Helena. Ela atravessou-as com tanta facilidade... mesmo que eu estivesse disposto a permiti-la entrar livremente, eu não tinha necessariamente o feito quando ela passou. Foi mais como se nenhuma parede conseguisse impedir que estivéssemos ligados, de alguma forma.

Mas Helena também não tinha entrado na minha mente com o intuito de vasculha-lá ou feito com qualquer propósito desonroso; foi natural e foi apenas para que ela pudesse mostrar como se sentia. Para que expressasse o que quer que ela vivenciou naquela crise através de seu dom.

Minha mente ficou um completo vazio, uma caixa escura, cega. Ao menor indício de incômodo que escorreu de mim, Helena preencheu com uma calma calculista. Ela não havia tocado em nenhuma parte da minha mente que fosse propriamente minha; nenhuma memória, nenhum pensamento, nem mesmo minha própria voz; ela só entrou e deixou tudo em breu até que pudesse fazer da minha visão, a visão dela.

E eu senti o impacto quando ela o fez.

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