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HELENA

Respirei fundo, mas minhas mãos já tremiam. Senti aquele nó costumeiro na garganta, aquela pressão no peito e meu estômago deu voltas e voltas, ameaçando colocar pra fora mais do que eu tinha ingerido. Az se colocou ao meu lado em um piscar de olhos, segurou minhas mãos e beijou os nós dos meus dedos. Seus olhos estavam fixos em mim, mas eu encarava o chão, tentando controlar o pânico que subia. Fechei os olhos por alguns momentos, absorvendo as últimas palavras de Azriel para mim. Quero tudo de você. As coisas boas e as nem tão boas assim. Ok...

__Eu não sabia que tinha um problema até conhecer Feyre. Vivi uma vida inteira praticamente sozinha, e mesmo que eu não tenha sido abandonada, eu... eu ainda estava sozinha. A Terra cuidou para que eu sobrevivesse, que crescesse, que pudesse seguir, mas não tive ninguém por longos e excruciantes anos, solitária, e eu era só uma menina... — senti as lágrimas se formando e a queimação no peito me sufocando. Azriel entrelaçou nossos dedos e beijou as costas de minhas mãos, um sinal para que continuasse. — Uma vez... uma vez eu saí da floresta. Foi há muito tempo... eu precisava conversar com alguém, precisava de algum amigo, de companhia. O lugar mais próximo da floresta sempre foi o palácio da Corte Primaveril. Caminhei lentamente e vi as ruínas de um povo, de um Grão-Senhor desesperançoso, de criados cansados. Todos mascarados, tristes, sem fé. Senti tantas coisas, tudo ao mesmo tempo... senti as perdas, as desgraças e as misérias. E senti o cheiro da minha mãe. Ela passou por ali, esteve ali, foi ali para pedir ajuda à Tamlin. Eu... eu fiquei louca. — solucei, Az limpava meu rosto coberto de lágrimas e beijava minha têmpora.

__Tudo bem, linda. Tudo bem... — sussurrou ele, o tom de voz doce que eu sabia pertencer apenas a mim. Olhei no fundo dos seus olhos e continuei.

"Muitos fatores me levaram ao colapso, tenho essa noção. Foi tudo demais pra mim. Estava preenchida pelos sentimentos cruéis de um povo sofrido, tomada pela raiva das lembranças dos meus pais, triste pela solidão e desamparada por uma corte que não me acolhera. Desabei, e senti tanta dor - física e emocional - que nada mais fiz senão gritar. Mas sou poderosa demais, já era naquele tempo, e meus gritos estremeceram o chão. Tamlin surgiu em poucos momentos, transfigurado em besta, agarrando-me pelo pescoço e exigindo que contasse quem eu era, de onde era. Ele não fazia a menor ideia... e eu estava fervilhando demais para acatar suas ordens. Eu explodi. Literalmente. Entrei em chamas e queimei das pontas dos dedos dele até a grama dos jardins do palácio. Olhei para meus braços e me vi inteira em fogo, e vi que estava colocando fogo nas sentinelas de Tamlin que corriam até nós, e esse só aumentava, chegando até as portas da mansão, e eu não parava de queimar. Por um momento, quis que todos nós virássemos cinzas. E aquilo me destruiu. Minha alma... minha alma se partiu em milhões de pedaços. Não sei ao certo o que aconteceu, mas... tive tantas lágrimas que apaguei todo o fogaréu que comecei. O incêndio se tornou chuva fria, e todo o horror se dissipou. Entrei nas mentes de todos, inclusive de Tamlin, e apaguei aquela memória. Deixei que minha tristeza lavasse os jardins e reconstruí o que tinha destruído. Eu fiz tudo isso e... e então voltei para a floresta. E me isolei mais. Me tranquei na árvore que chamava de lar e fiquei muitos dias sem conseguir levantar. Fraca dos poderes que usei, mas muito mais derrotada emocionalmente. E então eu... eu não consegui mais comer. Como alguém que entende os sentimentos alheios, fui péssima tentando entender os meus. É claro que eu era jovem demais... eu simplesmente parei de comer. Lembrava daquele dia e sentia nojo de mim, e não conseguia viver com aquilo. Não conseguia comer, mas quando fazia, eu sentia essa necessidade de colocar pra fora. Não me sentia digna de viver bem, de ser saudável, feliz. Então entrei nesse ciclo vicioso. Tudo que eu comia, jogava fora. E quando não fazia isso, ficava dias sem ingerir nada. Por anos, Az. Eu fiz isso por anos..."

us | azriel  Onde histórias criam vida. Descubra agora