Ira
A Ethel se amava, isso ninguém podia negar. Mas quando o único tipo de amor que você conhece é aquele que machuca e a única pessoa que você ama é você mesmo, a tendência é que você vá se destruindo aos poucos.
Naquela noite depois do show, Will Putnam, irmão do Geogie, apareceu no hotel. Ele disse que assistiu a gente e queria saber se estávamos livres para tomar um drink. Will era o cara dos negócios, enquanto Georgie era o cara dos favores. A Putnam's era a maior concorrente da Runner na época, a Runner tinha fama, a Putnam's tinha qualidade e os melhores produtores, o sonho de qualquer banda da época era assinar com os caras. Eu estava sentindo uma coisa nova naquele bar, e pela primeira vez me dei conta de como as coisas tinham mudado desde que eu convidei a Ethel para a minha vida.
Quando consegui aquele show em Vegas eu nem imaginava que estaria em Los Angeles três semanas depois, que eu dividiria o palco com a mulher mais gata do mundo e que eu amaria ainda mais os irmãos que eu escolhi para estarem comigo. E eu me amei também, mas era aquela coisa... Ethel só conheceu o amor que machucava, enquanto eu conheci o amor que desperta aquele sexto sentido, a necessidade de proteger quem a gente ama. E o problema de querer proteger alguém como ela é que é impossível, simplesmente não dá.
Mas eu tentei.
Eu estava sentado ao lado do Will, Sam estava do meu lado, assim como Dan e Tom, enquanto Ethel e a Vick ficaram de frente para nós. E enquanto eu ouvia aquele cara falar sobre a nossa técnica e sobre a harmonia que a gente tinha no palco, eu não conseguia parar de reviver os últimos segundos do show. Quando a Ethel chegou tão perto que eu estava vendo as linhas azuladas no meio do cinza dos olhos dela, perto o bastante para que eu sentisse o refrão de Quicksand explodindo e escapando por cada poro dela. Eu não consegui fazer nada, só fiquei ali e cantei olhando para ela.
Quicksand é uma música para ser cantada com o coração fervendo, e se estiver dividindo essa responsabilidade com alguém, é melhor que se olhem nos olhos.
E de repente o cara fez a proposta.
Teríamos um show na Filadélfia e depois voltaríamos para LA, e então um representante da Putnam's ia assistir os nossos ensaios.
- Quem sabe saiam do aeroporto e acabem indo direto para a sede, hein?
Aquela frase era quase a porra de uma afirmação de contrato. E quando o cara foi embora e deixou as nossas bebidas pagas, meio que todo mundo começou a gritar. Vick e Ethel ficaram dando pulinhos e Dan me abraçou tão forte que achei que meus olhos saltariam das órbitas. Eu tenho uma lista de coisas que todo mundo deveria experimentar na vida, e eu incluiria aquilo à minha lista. Comemorar com os amigos as conquistas que tiveram juntos. E isso pode parecer clichê mas é mais difícil ficar feliz com o que você ganha quando você não está acostumado a perder, e a gente não perdia muito naquela época.
Só quando as coisas tinham se acalmado foi que eu percebi que junto com o envelope com as passagens, tinha uma carta.
- Ethel - Eu estendi o envelope para ela sem nem olhar para o remetente - Isso é seu.
...
Ethel
Era da minha mãe, e era mais um bilhete do que uma carta.
"Ethel
Só porque eu não sei como ser uma mãe, não quer dizer que eu não me importe. E é bom que se torne uma estrela do rock, porque o seu pai pode não notar se você aparecer grávida, mas eu vou.
Mamãe ".
Eu peguei a minha bebida e subi para o quarto sem falar com ninguém, e quando cheguei lá em cima me enfiei na banheira de roupa e tudo, segurando a carta em cima do peito e ensopando o papel. Não chorei, não consegui fazer as lágrimas saírem, em vez disso me encolhi e dei um prejuízo por causa da água corrente, e só voltei a enxergar o banheiro quando o Ira apareceu. Vick tinha dado a chave do quarto para ele, ele ainda estava usando a roupa do show e parecia preocupado. Ira sempre parecia preocupado comigo.
- Você não é inteligente demais para usar isso? - Ele apontou para "Vingança Diabólica", o meu livro favorito que estava em cima do tapete do banheiro. Eu tinha deixado duas carreirinhas na capa mas não cheirei, estava triste o bastante para me chapar sem precisar do pó.
- Sou inteligente para saber quando parar.
Era mentira. Eu já usava todo dia na época e com certeza não sabia quando parar, geralmente eu parava porque acabava apagando.
Ira respirou fundo.
- Vem aqui, porra - Ele me tirou da banheira e enrolou uma toalha em mim, depois arrumou o meu pijama e se trancou no banheiro para que eu pudesse me trocar.
Quando ele voltou eu já estava debaixo das cobertas com o bilhete molhado bem protegido dentro da minha mão. Eu me lembro dele sentado com o livro na mão, tinha jogado fora a cocaína, e quando eu já estava quase dormindo, olhei para ele e vi o jeito que ele olhava para mim.
A coisa mais dolorosa em saber que alguém tem uma ideia diferente sobre você, é que você nunca vai alcançar as expectativas dela. Não quer dizer que você vá ser uma pessoa ruim ou menos importante porque não é o que ela pensou, nada disso, mas você sempre vai se culpar por não poder dar o que aquela pessoa quer. Ira era obcecado pela ideia da "mulher mais linda do mundo", por isso ele passou boa parte da vida ignorando o fato de que eu era uma pessoa quebrada. Não era como se eu escondesse isso, nem como se ele não soubesse...ele só escolhia fingir que não sabia. Mas às vezes, quando eu perdia o controle das coisas e acabava numa cama de hotel vestindo uma camiseta de uma banda qualquer enquanto minha maquiagem escorria e manchava o meu rosto, parecendo chapada mesmo sem estar, ele não podia mais fingir.
...
Ira
Em noites como aquela, eu deitava ao lado dela e via o sono chegando. Ali eu imaginava mil canções por segundo, sempre inspiradas na tranquilidade do rosto dela quando não estava carregando o peso que a vida jogou sobre aqueles ombros. Ela está certa em dizer que eu era obcecado pela ideia que eu fazia dela, e eu me arrependo muito disso.
Naquela noite, quando a Vick voltou para o quarto e eu voltei para o meu, pensei sobre a conversa com o Will, e enquanto estava pensando sobre isso, Sam se levantou do nada e se sentou nos pés da cama que eu estava dividindo com o Tom.
- Regra número um, cara - Ele disse, e mesmo que eu mal pudesse ver o rosto dele no escuro, eu soube que ele estava erguendo a sobrancelha para mim - Nunca trepe com alguém da sua própria banda. Eu sei o que você acha da Ethel e não culpo você, ela é gostosa e tudo mais mas você tem que cair na real. Estamos perto de conseguir um contrato com a Putnam's, porra, e é melhor vocês não estragarem tudo, entendeu?
Ele voltou a dormir e me deixou sem conseguir pregar o olho.
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The Ethereals
FanfictionNa Las Vegas dos anos 70, a jovem Ethel King encanta corações impuros com a sua voz espetacular, um desses corações pertence à Ira Blame, rapaz bonito de San Diego que desfruta de uma viagem breve na companhia dos amigos. Mal sabem eles que após doi...