🎙Capítulo 22🎙

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Vick

Acho que à essa altura do campeonato você já deve ter sacado que aquele vai e vêm de Ira e Ethel não ia funcionar para sempre. E Ethel não fez questão nenhuma de tentar. Se me perguntarem qual foi a pior época para fazer parte da banda eu vou responder sem nem hesitar que foi quando a Ethel resolveu chutar o balde. Sem dúvidas.

Começou devagarinho, uma coisa discreta. Começou quando ela parou de olhar para o Ira no palco, quando tudo o que acontecia lá em cima passou a ser uma parada estritamente profissional. Ah, eles ainda tinham aquele fogo ardendo na distância entre os dois e o microfone que ainda dividiam de vez em quando, e ele com certeza ainda estava pra lá de louco por ela, mas dava para ver, se você soubesse onde procurar, que Ethel estava escapando por entre os dedos dele. Já no segundo mês da turnê os dois não estavam mais ocupando o mesmo quarto.

A partir daí foi só ladeira à baixo.

No terceiro mês ela ainda acompanhava a gente para as saidinhas depois dos shows, nas primeiras duas semanas do quarto mês na estrada ela começou a sumir por dias de novo, voltando sempre muito louca...às vezes com um cara, às vezes com vários, uma ou duas vezes sozinha. Mas sempre chapada. E para onde ela ia quando a crise batia? Um ponto se você disse que era direto para o quarto do Ira.

Uma vez eu estava no corredor, tinha acabado de voltar da recepção do hotel e estava pensando em dar uma ligada para Leslie e ver como estavam as coisas. E por acaso olhei na direção do quarto dela e vi o Ira sentado com as costas apoiadas na porta. Me lembro de ter pensado duas vezes antes de me meter naquilo, mas...pô, ele era meu irmão, e embora eu amasse a Ethel, não queria ver o Ira daquele jeito. Ele não merecia. Ninguém merecia passar por tudo aquilo.

Eu me sentei com ele, tentando não pensar em como aquilo pareceria estranho visto das câmeras, mas esquecendo esse pensamento quando ele apoiou a cabeça no meu ombro. Cara, foi como se eu estivesse carregando um elefante. O cara estava acabado, estava com mais olheiras do que qualquer homem já esteve, parecia não ter nem conhecido um pente e a barba estava crescendo mais do que ele normalmente deixaria. Mas o Ira ainda era o Ira. Eu fui me sentar com ele só para dar uma força.

- A quanto tempo você não dorme, cara?

- Hum... quando foi a última vez que a Ethel sumiu?

Tinha sido uns dois, talvez três dias antes daquilo, e eu disse isso à ele.

- É, foi por aí.

- Você vai se matar desse jeito, Ira.

Ele deu de ombros, só isso, o homem mais forte que eu conhecia só deu de ombros e deu o fora antes que eu pudesse dizer qualquer coisa.

E piora. Piora muito.

Todos os responsáveis pela segurança de cada hotel em que a gente se hospedava foram subornados por Bob para que Ira sempre tivesse uma cópia da chave do quarto dela, o que se provou mais do que necessário quando ela caiu no chuveiro, ou quando colocou fogo num vaso de plantas de plástico que ela achou uma ótima ideia usar como cinzeiro, ou quando ela não aparecia para uma passagem de som ou para um jantar. Fosse que merda fosse, uma porta destrancada não ia resolver as merdas dela, mas, como o Bob disse para nós mas nunca teve coragem de dizer em voz alta perto do Ira, nos ajudaria a encontrar o corpo enquanto ainda estivesse quente. Sem falar nos prejuízos inevitáveis, e quando digo isso quero dizer inevitáveis mesmo. Não me lembro de um dia daquele período em que não saíamos de um hotel sem algum espelho quebrado para pagar, ou podia ser um abajur, uma cabeceira, às vezes até a cama inteira, sem falar nas fronhas e lençóis queimados porque a Ethel fumava dormindo.

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