Ethel
Ira começou a ficar um porre por volta da segunda semana de Agosto, acho que dava para chamar o estado dele de: abstinência. É, é um bom jeito de descrever.
Eu o pegava escrevendo naquele caderninho de bolso o dia inteiro, ele desenvolveu manias que me faziam respirar fundo para não atirar qualquer coisa que eu estivesse segurando bem no meio da cara dele. Ele nunca conseguia ficar parado, estava sempre tremendo as pernas e estalando os dedos, roendo as unhas até a carne, enrolando mechas do cabelo no indicador até prender o sangue e sumia da cama quando sol nascia e só voltava depois do almoço.
Aquilo era um sinal insuportável de que as férias estavam acabando. Ira sempre ficava alterado quando começava a se sentir inútil, e se de repente a música começava a brotar na mente dele até encher páginas e mais páginas daquele caderno...então era hora de voltar para casa.
Eu levantei o assunto numa sexta-feira no café da manhã, num dos poucos dias em que ele não tinha me deixado sozinha. Fiz uma porção de frutos do mar com limão e levei para o sofá, acho que essa lembrança é tão forte que até consigo ouvir o som das minhas meias se arrastando no chão de madeira de novo e de novo enquanto conto sobre aquele dia. Ele estava esparramado no sofá só de sunga, escrevendo. Sempre escrevendo.
- Posso dar uma olhada nisso aí? - Me lembro de perguntar.
Ele só virou o caderno na minha direção e me mostrou o que tinha ali.
E era nada, só um bando de borrões e rabiscos cobrindo todo o papel.
Pior do que a frustração de compor, é compor alguma coisa tão ruim que não consegue fazer mais do que duas palavrinhas e destruir o resto.
- Você podia ter pedido a minha ajuda.
- Eu não queria incomodar você com isso. É só uma ideia que não consigo lidar.
Tirei o caderno das mãos dele e joguei de qualquer jeito no espaço vazio atrás da perna dele no sofá, depois olhei para ele como se estivesse tendo a conversa mais séria da minha vida.
- Vamos pra casa, beleza?
- Não vamos, não. Você não está se divertindo?
- Essa não é a prioridade, Ira. Não quero fazer parecer que não gostei de tudo o que nós vivemos aqui, mas está claro que você não está feliz e acho que nós dois sabemos que não vai sair nada daí se não voltarmos para casa e começarmos a pensar no próximo álbum, porque eu sei que ele já está aí dentro em algum lugar.
...
Ira
Eu estava me sobrecarregando com aquela história de fazê-la feliz o tempo inteiro, e não estou dizendo que é culpa dela mas eu não estava bem, estava...descansado demais, saca? Queria adrenalina, queria sentir de novo tudo o que a banda me fazia sentir. Porra, eu queria sair correndo dali o mais rápido possível. Mas eu estava obcecado pela ideia de deixar ela feliz a todo custo, tanto que nem percebi que ela queria o mesmo que eu, e quase estraguei as lembranças daqueles dias por causa do meu egoísmo.
- Beleza, nós vamos.
...
Vick
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The Ethereals
FanfictionNa Las Vegas dos anos 70, a jovem Ethel King encanta corações impuros com a sua voz espetacular, um desses corações pertence à Ira Blame, rapaz bonito de San Diego que desfruta de uma viagem breve na companhia dos amigos. Mal sabem eles que após doi...