Ira
A foto da capa do álbum ainda está num quadro na minha mesa de cabeceira, na minha casa em Hollywood Hills. Foi Vick quem sugeriu o nome "Accident" e todo mundo meio que abraçou a ideia. Na capa todos estão com as cabeças encostadas nos ombros uns dos outros, o que foi bem difícil de fazer já que todos precisavam aparecer. É uma coisa bem significativa, aquela foto, principalmente porque de um lado Ethel estava com a cabeça apoiada no meu ombro, e do outro, o ombro da Vick me servia de apoio. Eu me lembro de ter me sentindo um idiota enquanto posava para aquela foto, e ainda me sinto assim quando olho para ela, mas não importa muito. Fomos à todos os eventos de lançamento da gravadora e demos uma entrevista exclusiva para a Creem enquanto esperávamos o impacto inicial do álbum. Enquanto isso Harry Leblanc, nosso empresário, Bob e a Putnam's organizavam as coisas para a turnê de lançamento, onde passaríamos por umas trinta cidades.
...
Ethel
O primeiro show da turnê foi em Santa Rosa, e as coisas estavam indo de mal à pior. Aquela não era a primeira turnê da banda, enquanto aquele era só o meu terceiro show de verdade. Fui vomitando o caminho todo e tivemos que parar o ônibus tantas vezes que Vick simplesmente disse:
- Vamos deixar você pra trás se não entrar naquele ônibus e deixar de ser bunda mole.
E isso me convenceu a ir até Santa Rosa com os olhos fechados e com um balde no colo.
No camarim, minhas mãos estavam tremendo tanto que Dan me passou um baseado mesmo sob o olhar irritado do Ira. Ajudou, mas não me impediu de sentir como se eu tivesse feito a pior escolha da minha vida, como se eu nunca devesse ter saído de Las Vegas e que eu ia fazer merda e estragar a noite de todo mundo. Então, dois minutos antes de entrarmos no palco, Ira se ajoelhou na minha frente e me olhou como alguém olha para uma criança em crise de choro, e falou com uma paciência ensaiada e falsa.
- Olha, eu não fui até Las Vegas para ganhar uma mixaria numa festa idiota e te levei para a minha casa para você vir até aqui e amarelar. É bom se recompor King, porque você vai subir naquele palco e vai mandar ver, ou o seu terceiro show vai ser o último. Entendeu? - Tinha como ser mais claro que aquilo?
Eu subi naquele palco, e acho que só posso dizer que fiz o que Ira me disse para fazer...e muito mais.
...
Ira
Dizer que a nossa estreia foi incrível seria pouco para descrever o que fizemos. Eu estava com medo de que toda a confiança da Ethel tivesse ido para o brejo, mas felizmente não foi o que aconteceu. Na primeira parte ela estava tímida, olhando para todos os lados ao mesmo tempo e se demorando quando o olhar dela encontrava o da Vick, ela parecia estar pedindo socorro. Mas depois do primeiro refrão, onde só eu cantava, ela fez alguma coisa que simplesmente despertou a Ethel de verdade, aquela que dava tudo de si à cada nota que saía da sua boca.
Acho que nunca me demorei o suficiente descrevendo a voz da Ethel. Aquela mulher tinha uma voz incrível, era rouca mas sem a aspereza que se espera de alguém com a voz rouca. Tudo o que saía daquela garganta era de uma complexidade que eu nunca fui muito bom em descrever, só sei que a voz vinha de dentro, de algum lugar dentro daquele coração perturbado, e acho que a rouquidão era consequência disso, do esforço que a música fazia para sair daquele peito. Ouvir aquilo por quase dez anos não bastou para me fazer cansar, e hoje, quando estou sozinho, ainda coloco uns discos nossos para tocar e encosto a cabeça no travesseiro, e sei que se fechar bem os olhos vou conseguir voltar aos dias em que ela descontava a ansiedade pisando duro no palco enquanto deixava a música levá-la para o seu lugar de direito: para o topo da porra do mundo.
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The Ethereals
FanfictionNa Las Vegas dos anos 70, a jovem Ethel King encanta corações impuros com a sua voz espetacular, um desses corações pertence à Ira Blame, rapaz bonito de San Diego que desfruta de uma viagem breve na companhia dos amigos. Mal sabem eles que após doi...