Vick
Vou contar sobre o dia em que todos nós nos apaixonamos por ela.
Eu sei que parece loucura e falta de respeito pontuar assim, mas não existe outra palavra para descrever o que ela despertou em todos nós no dia em que fizemos a foto da capa do álbum.
Me lembro de ouvir o Bob dizendo que nós éramos muito modestos pela escolha do lugar, e também me lembro de rir por causa da escolha dos detalhes.
A foto foi tirada na nossa casa, na garagem grande o suficiente para caber todos os nossos carros e os dois ônibus da banda. Grande o suficiente para caber um letreiro enorme, enorme mesmo, cada letra daquela coisa devia ter o tamanho de um guarda-roupas de quatro portas e baú em cima. O nome do álbum brilhava em vermelho e laranja, iluminando Los Angeles às três da manhã, pois é, a madrugada era a nossa parte favorita do dia, e graças à ausência de vizinhos, não faria mal algum fazer renascer o rock n' roll em alto e bom som.
Foi o Ira quem pensou naquilo, e foi ele quem organizou tudo. Tudo o que nós fizemos foi obedecer quando ele pediu para que a gente caprichasse nos figurinos. E nós mandamos bem, principalmente ela.
Ethel apareceu na sala de estar usando um vestido vermelho transparente e um maiô preto por baixo. Acho que dá para dizer que vermelho estava tão presente na vida dela quanto as drogas estavam presentes nos bolsos. Foi quando eu me dei conta.
O letreiro, as cores. Aquilo também era sobre ela. E como ela, era lindo.
O fotógrafo era um amigo próximo do Georgie Putnam, e até onde eu sabia ele também trabalhava para a Rolling Stone. As ordens eram que a gente fizesse um show como estávamos acostumados, podíamos exagerar se quiséssemos, mas a regra era fingir que a câmera não existia, que tudo o que importava ali era a nossa música e mais nada.
Ethel e Ira ficaram na frente com os microfones, Sam e eu um pouco atrás com as guitarras e Dan e Tom fechando o triângulo. E atrás de nós aquela luz alaranjada fazendo nossas sombras se estenderem pra caramba, e de algum jeito fazendo a gente sentir como se a luz fosse nossa.
E não era?
As faixas foram ordenadas por temas e instrumentalmente, todas muito bem calculadas, todas se se encaixando como peças de quebra-cabeça. Começava com Run Up, a abertura ousada. Depois Those Little Red Ones, cheia de adrenalina e intensidade. A coisa começa a seguir a linha anárquica com Little Road Woman e The Blame's mantém o ritmo. Foxhole é cantada com nostalgia, uma saudade sofrida, mas é agitada ao mesmo tempo, o que quebra um pouco as duas músicas anteriores. Depois Warring, a explosão. E por último, My Sea, uma parada sedutora, mas que não perde o foco dançante.
Entendem o que eu quero dizer quando afirmo que Warring era o álbum perfeito? Não era o tipo de álbum em que restavam músicas para pular ou fingir que não estava ouvindo até chegar na sua música favorita. Não. Warring pegava você de jeito e te obrigava a ouvir a voz de Ira e Ethel até o último verso. Warring...porra, Warring queimava. E ali, com os nossos instrumentos na frente de um letreiro gigante, nos apresentando para as estrelas, Warring queimou como o inferno e nos fez sentir no paraíso.
Durante aquela música, foi quando nos apaixonamos por ela. Não porque ela estava de costas para nós com o maiô super justo e pequeno, ou pelo jeito como ela se deixava levar pelo próprio som, mas por quem ela era em si. Acho que o nosso maior erro até ali era tentar justificar o fato de que a Ethel era um fenômeno jogando todos os créditos sobre a aparência dela, quando deveríamos ter gastado o nosso tempo aceitando a derrota, aceitando o fato de que Ethel King tinha a voz mais perfeita que o mundo inteiro já ouviu, que ela sabia se divertir, que era engraçada e inteligente demais para alguém que fazia tanta merda. Ethel era apaixonante, e mais do que isso, ela sabia como fazer você se apaixonar e não precisava mover um músculo para isso. Você amaria a Ethel porque ela era a Ethel, e se os cientistas clonassem aquela mulher, com cada célula, cada fio de cabelo e cada lembrança, ainda não teríamos a Ethel completa, a Ethel essencial. Porque ela é mais do que isso, ela está além da compreensão humana, sempre esteve e sempre vai estar.
E a capa daquele álbum, a capa que fez a revista ser a mais vendida da década, foi porque Ethel King era o pilar principal. Ela estava no centro da foto, o microfone na mão direita e a esquerda erguida como se ela e o céu estivessem de mãos dadas. Ela estava com os olhos fechados, sentindo a própria voz. O cabelo estava bagunçado, ruivo por causa da luz, as argolas nas orelhas eram um fio de brilho dos lados do rosto dela. E é claro que tinha o Ira. Ele estava de frente para a câmera, mas os olhos dele estavam fixos nos dela. Os dois poderiam estar na mesma pose para qualquer um que não soubesse o que eu sabia, a verdade era que a mão que a Ethel apontava para o céu queria alcançar o topo do mundo, aquilo era uma mulher que sabia quem era e o poder que tinha, já no caso dele, a mão que ele apontava para o céu estava a poucos centímetros da dela, e era ela quem ele queria alcançar. E na foto final a banda ficou abaixo da imagem deles, na frente, eu com os cabelos voando para todos os lados, Sam sorrindo e olhando para o lado, para onde Snow estava, e Tom e Dan olhando um para o outro. Toda vez que me perguntaram quem eram os Ethereals, aquela foto é a primeira coisa em que eu penso.
...
Ethel
Vick era boa em ver o mundo e a gente de um jeito quase mágico, eu era boa em ver o mundo real. E pela primeira vez na vida eu não estava vendo a menor diferença entre as duas coisas.
Não havia uma plateia muito grande para nos aplaudir, mas Snow aplaudiu mesmo assim, seguida por Bob e depois pelo fotógrafo, e de repente por todos nós.
Eu queria aquela vida para sempre.
...
Ira
Eu não sei qual era o problema que a chuva tinha com a gente, porque começou a cair o mundo no momento em que a nossa seção terminou.
...
Ethel
A primeira reação de todo mundo foi enfiar os instrumentos de volta na garagem e voltar para dentro para tomar um banho e um chocolate quente. A minha foi me deitar no chão e sentir a chuva batendo nas pálpebras.
...
Vick
Ela sempre teve essas coisas, essa ligação bizarra consigo mesma e com tudo o que a fazia se sentir livre. E isso era a principal incógnita à respeito dela, pelo menos para mim.
Como é que uma pessoa que se ama tanto é capaz de se destruir com tanta facilidade?
...
Ira
Ela estava sorrindo. Estava frio e estava tarde e os pingos de chuva tinham a grossura de bolas de tênis, mas ela continuou sorrindo.
- Vai ficar parado aí, Blame?
Eu ri e me deitei ao lado dela.
...
Ethel
A minha mão achou a dele por instinto, e não houve tempo na vida em que eu fui mais feliz do que naquele ali. Ele fez menção de dizer alguma coisa, mas eu não deixei, agarrei ele pelo colarinho e o beijei até ficar sem fôlego.
...
Ira
Nós éramos dois vocalistas que funcionavam melhor um com o outro sem usar a voz. E quer saber? Nós deveríamos ter ficado em silêncio por mais tempo. Por uma vida inteira se fosse necessário.
Talvez assim teríamos evitado uma centena de desgraças.
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The Ethereals
FanfictionNa Las Vegas dos anos 70, a jovem Ethel King encanta corações impuros com a sua voz espetacular, um desses corações pertence à Ira Blame, rapaz bonito de San Diego que desfruta de uma viagem breve na companhia dos amigos. Mal sabem eles que após doi...