🎙Capítulo 2🎙

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Ethel

Acho que para falar sobre tudo o que aconteceu depois de 1970, preciso fazer um resumo da minha vida.

Eu nasci em 1954, em Las Vegas. Eu sei, eu sei, ninguém pensa em ir para Vegas a fim de formar uma família, e para ser sincera, nem os meus pais pensavam nisso.

Minha mãe era garçonete em um bar dentro do perímetro de 7 quilômetros da Strip. Ela era do Arizona e foi para lá buscando uma vida mais interessante, e acho que se pode dizer que ela conseguiu.

Com um mês na área, ela engravidou.

Dizer que eu me sinto bem por saber que a minha mãe nunca me amou seria uma mentira do caralho. Mas acontece que eu entendo, entendo de verdade. Ela tinha 19 anos, tinha o mundo todo para explorar e uma vida enorme para levar sem interrupções.

E eu fui uma interrupção, a pior de todas.

Sobre o meu pai... ele era um filho da puta. Veio de uma família cheia da grana de Los Angeles, estava passando as férias em Vegas e de repente se viu morando em uma mansão em Summerlin com uma mulher que ele nunca amou e uma filha que ele desprezava.

E por último, Snow King. Minha irmã mais nova.

Snow sempre foi a criança dourada, a perfeição, em resumo: era uma chata de galocha. Eu sempre fui uma filha da puta, sempre fui a decepção e a desgraça da minha família, e Snow continuou sendo a filha perfeita. E eu? Eu ficava cada vez mais para trás.

Hoje em dia eu vejo tudo o que havia de errado naquela casa e, por mais que isso me custe umas seções extras de terapia, posso dizer que não me arrependo de ter crescido no caos. Afinal, nada me deixou mais satisfeita, nem o sexo, nem as drogas, nem a fama, quanto ter o gostinho de colocar as cartas na mesa depois de tantos anos aguentando aquelas pessoas.

Eu não deveria ter feito isso no casamento da minha irmã mas... essa história pode esperar.

Os meus últimos dois anos na casa dos meus pais foram um verdadeiro inferno.

Me lembro de uma vez, eu tinha passado a noite na farra e estava sentindo como se a minha língua tivesse sido empanada, ela estava fritando dentro da minha boca e levando a sua arenosidade para a minha garganta. Acho que na época eu já me entupia de seconal, ou vai ver eu estava nos meus dias de tramadol e fentanil...não é bom lembrar o nome das drogas. De qualquer jeito, eu estava mais alta que o Empire State, tanto que eu só me dei conta de que os meus pais estavam brigando quando eu cheguei na cozinha, o que é irônico porque as brigas ali dentro davam para ser ouvidas do outro lado do quarteirão.

Eu vi Snow entre os dois, tinha vinho e cacos de vidro espalhados para todo o canto, misturados com o sangue da minha mãe.

O que eu fiz? Bom, eu andei até a geladeira e peguei um galão de leite, um pacote de biscoitos na prateleira de cima do fogão e uma bisnaga de molho. Eu fui até a ilha ensopada de vinho, arrastei um dos bancos e me sentei. A sensação era de estar mastigando a minha própria carne, e enquanto eu comia, meu pai ia para cima da minha mãe. Meu pai, um homem de quase dois metros, descendo o braço na minha mãe enquanto a minha irmã gritava.

Eu me perguntei por muito tempo porquê eu fiquei parada, comendo como se o meu mundo não estivesse caindo. Eu não estava chapada o bastante para me esquecer, o que significa que eu não estava chapada o bastante para não reagir. Mas depois de tantos anos lidando com as confusões da minha cabeça, percebo que eu não fiz nada porque eu não conseguia, porque o meu cérebro se recusou a reagir enquanto via a minha mãe sendo espancada pelo mesmo cara que me olhava estranho, me me dava tapas na bunda enquanto rangia os dentes como um animal. Eu tive medo de que ele se voltasse contra mim.

Escrevi "Living to Forget" naquela tarde, na sala de espera do hospital enquanto minha mãe levava os pontos necessários para fechar os cortes na cabeça. O meu trecho favorito da música é:

"Don't be upset
Come my little girl
Even when you're living to forget
You will have the whole world".

("Não fique brava
Venha, minha garotinha
Mesmo quando estiver vivendo para esquecer
Você terá o mundo todo").

Admiro os músicos e compositores que escrevem dezenas de músicas sobre o amor às drogas, às suas mulheres ou ao sexo, muitas músicas assim já foram escritas para mim. Mas não as minhas.

Quero que o mundo saiba, mesmo que agora seja tarde demais, que as canções de Ethel King só foram dedicadas à duas pessoas em todos os anos da sua carreira. A primeira é Ira Blame, a segunda, é ela mesma.

...

Ira

Não é fácil fingir que nada aconteceu quando você fica revivendo a mesma noite várias e várias vezes, nos seus sonhos, nas horas vagas, em qualquer lugar e a todo momento. Eu me senti bem depois de algumas semanas da noite do Falcon, e estaria mentindo se dissesse que não estive com nenhuma garota nos dois anos seguintes, mas estaria mentindo mais ainda se dissesse que gostei disso.

Os Ethereals ainda não existiam, em vez disso, a minha banda se chamava "Atomics". As nossas primeiras apresentações em San Diego foram um fiasco, mas recebemos algumas cervejas de graça e, no caso de Vick, umas roupas de praia, em troca da nossa cantoria.

Foi só no final de 1968, algum tempo antes do nosso encontro com a garota mais espetacular do planeta, que as coisas começaram a dar certo. Começamos a ganhar um pequeno cachê por noite num restaurante, depois investimos em um centro de eventos que organizava umas festas beneficentes, e fomos crescendo.

É como regar uma planta, demora, mas você sabe que só existem dois caminhos depois disso: Ela morre, ou cresce.

E nós crescemos.

A Atomics estava fazendo shows pelo estado, abrindo para uma banda de rock progressivo aqui, outra banda de pop rock ali, e aí apareceu a festa em Las Vegas.

Vick ficou em êxtase, ficou se segurando para não quebrar a guitarra de cedro. Tom por pouco não arrancou as teclas do teclado com as unhas, sem falar em Dan e Sam, que se empolgaram tanto na comemoração que acabaram furando uma das caixas da bateria. Mas tudo bem, todos estavam felizes, e eu estava nas nuvens, rezando mentalmente para reconhecer um único rosto na plateia.

The EtherealsOnde histórias criam vida. Descubra agora