Ethel
Só quem já voltou de uma viagem longa sabe que até tirar os sapatos e sentir o chão gelado é uma sensação boa pra caralho, e era tudo o que eu queria sentir quando cheguei em casa, a paz de estar de volta e a ansiedade pelo amanhã, pelos próximos meses como aquele que eu acabava de deixar para trás, pela perspectiva de ter algo para lutar. Eu só não esperava que Ira fosse deixar a gente na mão.
Eu estava desfazendo as malas, devia ser umas quatro da tarde, e quando eu olhei pela janela ele estava lá, com a mala ainda fechada do lado da cadeira de praia, sentado no deck com uma latinha de refrigerante numa mão e um cigarro na outra. Eu gostei de olhar, gostei mais do que deveria ter gostado. Uma das melhores coisas da casa da banda em LA era que as janelas eram baixas e largas, então dava para entrar e sair quando quisesse, e foi o que eu fiz. Ira não percebeu a minha chegada até que eu me sentasse no chão ao lado dele, olhando para Los Angeles lá embaixo e esperando que ele dissesse alguma coisa.
O clima estava tenso entre a gente desde a pergunta que ele tinha feito no ônibus, mas eu estava tão acostumada com aquela preocupação exagerada que não me ofendi por muito tempo. Acho que o meu erro foi imaginar que Ira era capaz de esquecer as coisas tão rápido quanto eu.
- Quer? - Ele me ofereceu um gole do refrigerante. Eu recusei, e ele deu de ombros antes de acabar com a coisa numa golada só enquanto eu olhava para ele.
Não falo muito sobre como o Ira era um homem bonito, do tipo alto e fortão, metido à cara bacana com aquele cabelo que ele insistia em deixar crescer. Também gostava do jeito que ele se vestia, como se qualquer ocasião pedisse uma camiseta preta e uma calça jeans.
- Quer que eu te ajude com ela? - Apontei para a mala.
Ele fez que não com a cabeça.
- Tudo bem com você? - Aquela frase me fez sentir um gosto amargo na boca, como se eu simplesmente não conseguisse engolir o fato de que eu podia me importar com alguém, que me preocupar não me deixava vulnerável ou qualquer merda do tipo, e se deixasse, tudo bem também. Eu não conseguia mais manter a minha casca quando ele estava por perto, Ira me fazia sentir...em paz.
- Tudo - Mas ele suspirou, um suspiro pesado, daqueles que escondem a dor da alma - Só estou cansado.
Então ele fez uma coisa que eu não esperava, se levantou e me deu um beijo no topo da cabeça antes de pegar a mala e voltar para dentro. Vick apareceu correndo e com cara de quem tinha visto um fantasma, ela se jogou na cadeira de praia que Ira deixou para trás e colocou as mãos nos meus ombros como se fosse me chacoalhar.
- O que ele disse?
- Nada - Eu respondi, rindo um pouco. Ela se parecia muito com um cachorrinho quando estava empolgada - Só que está cansado por causa da turnê.
Sabe, às vezes eu sentia que a vontade da Vick era esfregar alguma verdade muito óbvia na minha cara, e eu estava certa em me sentir assim, porque era exatamente o que ela queria fazer.
- E precisava daquilo? - Eu não precisava perguntar sobre o que ela estava falando para responder aquela pergunta.
- Aí é com ele - Eu dei de ombros, fingindo que não ligava.
- Ah, pelo amor de Deus! Vocês dois são iguaizinhos, sabia?
Vick virou as costas e saiu batendo o pé. Eu sabia que ela não conseguia ficar brava comigo, então deixei pra lá e fiquei no deck até depois de escurecer, tão perdida na minha própria cabeça que nem vi quando Ira arrancou o carro da garagem e sumiu sem falar com ninguém.
...
Ira
Naquela noite, no hotel, eu não conseguia parar de pensar. Então escrevi. Esse é o mal do compositor, quando a dor está grande demais para aguentar, você escreve para não ter que sentir, e eu escrevi mais naquela noite do que na minha vida toda. Quando eu senti que estava quase sufocando ali dentro, me mandei para um restaurante qualquer na Pacific Coast Highway sem nem me ligar que já tinha amanhecido. Me larguei em uma das mesas e pedi um café porque não estava a fim de dormir, e continuei escrevendo até que as pessoas pararam de pedir café da manhã e chegaram os almoços. Depois voltei para o hotel e procurei um orelhão.
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The Ethereals
FanfikceNa Las Vegas dos anos 70, a jovem Ethel King encanta corações impuros com a sua voz espetacular, um desses corações pertence à Ira Blame, rapaz bonito de San Diego que desfruta de uma viagem breve na companhia dos amigos. Mal sabem eles que após doi...