Três dias depois ainda não tínhamos trabalhado com a dor, diminuímos a carga horária de treinamento com as sensações para que eu pudesse treinar com o arco e flecha, meus treinamentos com a Scarlett se tornaram cada vez mais raros, eu sabia tanto quantos ela e preferia treinar as minhas novas habilidades. O mal humor dela comigo só aumentava e eu ainda não sabia o motivo, algumas vezes tentei conversar sobre o tempo, sobre a comida e até sobre as árvores, mas a antipatia dela por mim era visível. No começo imaginei que ela tivesse dificuldade em aceitar pessoas novas, mas ela pareceu se dar muito bem com Safira e Celeste, principalmente quando ensinava à Celeste sobre cuidados médicos em diversas espécies.
O dia que havia me causado preocupação por toda a semana chegou, o dia de sentir e controlar a dor, tanto no meu corpo, como no corpo de outra pessoa.
Concordamos que deveríamos treinar aquilo afastados da aldeia. Eu, Maria, Sebastian e Rudi andamos por uma hora para longe da aldeia. Rudi e Sebastian carregavam espadas e uma bolsa de pano com coisas que não mencionaram. Paramos em um ponto da floresta e eu me sentei, Sebastian se aproximou de mim e ajoelhou na minha frente.
- Ponha a mão no meu braço – ele pediu.
Eu coloquei. Ele pegou uma faca e cortou a palma da própria mão, fazendo o sangue escorrer para a terra. A sensação agonizante passou por mim, era como levar um choque e continuar mantendo o contato com a fonte de energia, cada uma das minhas células me pedia para interromper o toque, mas eu permaneci, cravei as unhas no braço dele para impedir que as minhas mãos saíssem dali.
- Está pegando demais. Eu não estou sentindo nem a dor que costuma atormentar o meu dedinho – ele me olhou com paciência – se concentre na dor que quer pegar, nada mais, só a palma da minha mão.
Mesmo querendo soltar tentei fazer o que ele falou, me concentrei mantendo o foco na mão machucada dele, aos poucos a dor diminuiu, continuava sendo uma tortura, mas meu corpo foi se adaptando àquela sensação e reconhecendo que por mais que estivesse sentindo, ela não pertencia a mim, meu corpo não precisava se curar daquilo, apesar de precisar se curar do desgaste físico e emocional que tudo aquilo causava.
- Agora tente manter o contato, mas sem pegar a dor. - Rudi falou com olhos atentos em mim.
Comecei a pensar como faria aquilo.
- Me devolva a minha dor em pequenas doses, como se fosse em grãos. - Sabastian falou.
De pouquinho em pouquinho fui me desfazendo da sensação, entendendo como medir o que pegava e o que devolvia.
- Pronto. - sorri aliviada – sua dor é só sua.
- Agora pegue toda a dor como fez com a fada. - Maria me ordenou recebendo um olhar desconfiado de Rudi.
Não gostei da ideia, mas obedeci, talvez um dia alguém precisasse que eu sentisse dor em seu lugar. Concentrei toda a atenção do meu corpo no toque em Sebastian, peguei a dor do corte, a dor do dedinho e até a dor do que parecia uma porrada na costela.
- Está sentindo alguma coisa? - Rudi perguntou para Sebastian.
- Sim, alívio. - ele balançou a cabeça e eu interrompi o toque – todas as minhas dores foram embora, é como se tivessem sido curadas de um minuto para o outro.
- E você, Ayra? - Rudi perguntou para mim.
- Sinto como se tivesse um corte na mão, um dedinho dolorido e uma cotovelada na costela.
Rudi e Sebastian trocaram olhares e sorrisos travessos.
- Acho que a costela é culpa minha. - Rudi sorriu como se pedisse desculpas.
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A Mesa E O Mar
FantasyApós perder a mãe, sua única família, e descobrir que seu pai distante também morreu optando por não se despedir, Ayra sente-se sozinha no mundo. Mergulhada em luto e solidão ela é seduzida pela beleza das estrelas e atraída até uma mesa misteriosa...