Capítulo 24 - Amarelo, Vermelho E Castanho

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- Tragam a prancha e levem-no para a cabana afastada. - Rudi falou e pareceu se arrepender logo em seguida.

Quatro lobos apareceram com uma prancha retangular de tronco de árvore e com dificuldade viraram o corpo do macho e colocaram-no na prancha.

As asas ensanguentadas ficaram para fora da prancha e o sangue escorria manchando tudo ao redor, durante o curto trajeto Maria usou magia para controlar o sangramento.

Na cabana o corpo inconsciente foi colocado em cima da mesa e outras duas mesas menores foram colocadas de cada lado para acomodarem as asas. Uma das asas estava quase toda rasgada, apenas a cartilagem superior impedia que uma das partes se separasse do corpo, o rasgo reto descia até o final da asa.

A mulher entrou na cabana, ficou perto o bastante para garantir que não o matássemos e longe o bastante para não atrapalhar nossos movimentos. Rudi e Sebastian se posicionaram ao lado da cabeça do gárgula, enquanto Maria e Scarlett preparavam a agulha e as substâncias.

- Ele vai precisar de você. - Scarlett falou para mim.

- Ele aguenta! - Rudi falou alto e mal-humorado.

- Ele está inconsciente agora, mas assim que eu começar a costurar a asa, ele vai acordar com dor e assustado, ninguém aqui conseguirá segurá-lo. - Scarlett falava como uma médica que coloca a prioridade de seus pacientes em primeiro lugar.

Me aproximei de Sirius e analisei os cortes e arranhões. Maria usou uma faca para cortar a camisa de couro e expôs um abdômen perfeitamente definido e braços fortes, como era típico do corpo dos gárgulas, a calça permaneceu. Olhei para Rudi agradecendo a preocupação e demonstrando que a decisão era só minha, e eu sabia o que fazer.

Preparei-me para a dor que entraria no meu corpo, segurei a mão dele e absorvi a sensação que me percorria como uma corrente elétrica, eu conhecia a dor e sabia como controlar os efeitos dela no meu corpo. Sirius era um poço de dor, procurei por outros sentimentos diferentes, como o medo, mas seja lá o que tivesse feito aquilo com ele, não o causava medo, porque era um sentimento que não existia dentro daquele poço, no entanto, a dor vinha acompanhada de outro sentimento, algo novo, algo que eu não conhecia os efeitos, ele não tinha medo, mas certamente sentia raiva, uma esperança sombria jorrava daquele corpo esculpido em músculos e entrava no meu corpo escurecendo tudo ao redor, a vingança. Ele era uma enxurrada de sentimentos violentos e eu uma represa com a porta arrebentada. Apoiei uma das mãos na mesa e segurei a mão dele com mais força, a dor e a falta de sangue pareciam tão devastadoras que seriam capazes de matá-lo, mas a raiva era o que o mantinha vivo. Os dois sentimentos me invadiam como se fossem os dois lados de uma mesma moeda, inseparáveis, não dava para saber o que o mataria e o que o manteria vivo. Tentei selecionar para que só a dor passasse para mim, mas era impossível. O mundo ao redor adquiriu uma tonalidade amarelada, depois ficou vermelho, a vingança enrijecia os meus músculos e fazia o meu coração bater num ritmo diferente, nem rápido nem devagar, só diferente.

- Ayra... - uma voz chamou de longe, quase inaudível.

Levantei o rosto vendo Rudi e Sebastian olhando para mim de olhos arregalados, Maria inclinada sobre o braço do gárgula com um pano na mão e me olhando com atenção e Scarlett olhava para mim entre uma agulhada e outra na asa.

- Ayra, solte-o! - Rudi ordenou.

- Aguenta firme, Ayra, preciso de você aí! - Scarlett falou para mim.

- Ayra, calma, controla o calor, respire. - Maria falou calmamente enquanto caminhava em direção às pernas do homem.

Eram muitas vozes, muitas ordens, e eu só conseguia me concentrar em não explodir aquela cabana e tudo o que existia ao redor. Scarlett costurava a pele clara da asa mantendo o equilíbrio entre o capricho e a pressa.

A Mesa E O MarOnde histórias criam vida. Descubra agora