No sábado, o dia amanheceu chuvoso e frio. As gotas escorriam pela janela do meu quarto, lânguidas, preguiçosas, como caramujos que não tinham nenhum outro lugar pra ir, nada mais para fazer. E não tinham mesmo. O dia estava acinzentado, como todos os dias de chuva, como se um grande edredom tivesse sido estendido sobre toda a cidade, querendo se esconder da chuva. Como eu gostava antes de vir pra cá, porque eu não precisava sair de casa. Mas agora eu queria sair de casa, e a chuva talvez atrapalhasse um pouco. A água escorria por dentro do cano de ferro aparafusado no prédio ao lado do meu.
Essa época costuma ser bastante chuvosa. Outubro. Outono.
Puxei as cobertas pra cima da minha boca, deixando apenas o meu nariz sardento e meus olhos redondos do lado de fora, que mal se abriam debaixo da minha franja ondulada e escura, querendo voltar a dormir. Resmunguei e afundei ainda mais minha cabeça no travesseiro. Escutei Jess sair de seu quarto, do outro lado da porta.
Debaixo do edredom era quente, confortável, macio, não havia nada de errado, nenhuma gritaria, nada para resolver, nada para esconder.
Talvez a chuva atrapalhasse meus planos porque eu precisava ir com mamãe pra igreja. Eu sei. Eu querendo ir à igreja. Mas é por uma boa causa: depois vou pra uma festa com muitos gays e drogas. E ir à igreja, pela primeira vez na minha vida, estava nos meus planos.
Me revirei na cama pra pegar a revista lésbica que eu tinha comprado naquele dia. Queria ler ela, olhar pra ela, pros desenhos, pras garotas se beijando na página 4. Queria sentir o cheiro do livro. Folheá-lo. Nunca fui muito de ler, meu negócio é mais desenhar, tirar fotos e ouvir música. Mas aquele era diferente.
Eu estava lendo a página 23 quando mamãe entrou no meu quarto.
— Amanda, vá se arrumar pra ir pra igreja. —Eu dei o maior pulo em cima da cama, com o susto, sentindo que estava fazendo algo errado. Automaticamente escondi a revista debaixo do edredom.
— Hã? — Me sentei, sentindo meu coração pulando de um lado pro outro da minha cavidade torácica.
— Vá se arrumar. — Olhei pela janela e passei a mão pelo cabelo, tentando acalmar minha respiração. Depois, olhei de volta para minha mãe.
— Tá.
— O que você está lendo aí? — Apertei o livro debaixo da colcha.
— Nada. Ahm. Coisa da escola.
— MÃE! ACABOU O OVO? — Jess gritou da cozinha.
— ACABOU, JESSICA! Meia hora. — Ela saiu, deixando a porta aberta. Suspirei e passei a mão pelo cabelo de novo, olhando pros lados.
Escondi o livro debaixo do colchão de novo e me levantei, indo até a janela e a abrindo com um pouco de dificuldade. Coloquei uma mão pro lado de fora para sentir as gotas de chuva me molharem e escorrerem para longe dos meus dedos, deixando seu rastro úmido me esfriar a palma da mão quente. Quase senti a água evaporar ao toque.
Olhei minha mochila, que estava sobre a cadeira na mesa debaixo da janela, e lembrei que tinha fotos que eu tinha revelado mas ainda não tinha colocado no mural do meu quarto. Abri o bolso lateral, onde eu tinha guardado o envelope, e passei uma por uma, as observando antes de escolher algumas e grudar na parede com fita adesiva, sob a luz diurna acinzentada que entrava pela janela aberta.
As fotos que eu tinha escolhido eram quase todas do dia que fomos ao festival, comigo, Raven, Maxine, algumas fotos com Jamie, outras com Thomas. Mas tinha uma foto específica que eu queria imprimir e colocar no mural. A que eu e Maxine tiramos no campo de futebol, deitadas na grama. Ia imprimi-la essa semana.
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A Vida Absolutamente Ordinária de Amanda Pritchett ⚢
Teen FictionAmanda Pritchett tem 15 anos, pais recém-divorciados, uma irmã de 11 anos, um costume antigo de rabiscar e fazer colagens, uma imaginação tão fértil que talvez seja um pouco preocupante, uma luz noturna infantil e vontade de beijar garotas. Após o d...