Estranhamente, o ônibus estava quase vazio. Eu me sentei perto da janela e fiquei observando o céu cinza. Provavelmente ainda iria chover hoje. As pessoas andavam pelas calçadas com roupas super quentes. Cada uma com a sua vida, com os seus problemas. O vento corria no sentido contrário ao do ônibus, que estava indo na direção da Grandhill, subindo a ladeira. O vento descia, levando folhas alaranjadas e marrons, que se amontoavam na calçada.
— Que filha da puta. — Murmurei, me aconchegando no casaco de couro de Theo, que era um pouco grande pro meu tamanho.
— Desculpe? — Uma mulher sentada do outro lado do corredor olhou pra mim.
— Foi mal, não é com a senhora não. — Voltei a olhar pro lado de fora.
Resolvi descer na frente da Grandhill, assim eu não acabaria perdida a quilômetros da minha casa. Mas eu não queria voltar pra casa. As portas do ônibus se fecharam à minha frente e uma chuva leve começou a cair. Pus as mãos nos bolsos e comecei a andar, não sabia bem pra onde.
Mas, no fundo, eu sabia.
Dobrei algumas ruas, voltei outras. Ok, eu admito. Eu me perdi. Era muito difícil chegar onde eu queria chegar mesmo sem saber que eu queria chegar onde eu queria. Olhei pros lados e atravessei a rua.
No bolso da calça eu achei 10 euros super amassados. Senti com a ponta dos dedos cada reentrância do papel meio cor de rosa. Como pequenos muros de uma mini cidade no meu bolso, com suas ruas nas quais passavam mini ônibus, com uma mini garota corajosa de jaqueta de couro dentro.
Quando olhei pro lado, atraída por uma imensidão de coisas e uma luz fraca, eu vi que Jack's Games estava aberto. Dentro havia algumas pessoas vendo discos de vinil, camisetas ou jogando no arcade. Resolvi entrar, abrindo espaço pelas pessoas.
— Hm, Jack? — Olhei pro balcão e não havia ninguém. De repente, o velho de barba grisalha apareceu, se levantando.
— Ora, ora, você não é a amiga especial de Maxine? — Ele disse, passando um pano numa capa de disco e entregando pra um garoto de uns vinte anos atrás de mim. — Aqui, Michael. Hm?
— Sou, sou sim. — Eu sorri, olhando pra baixo. Depois, olhei pra ele. — Eu queria saber se eu podia entrar, sabe. Ali. É que a chuva, né, e aqui tá um pouco cheio, eu ia ficar atrapalhando a passagem.
— Ah, claro, claro. Qualquer amiga de Max é bem-vinda. Só tenha cuidado pra não quebrar nada. — Ele me entregou uma chave e deu uma piscadinha pra mim e sorriu. — Eu tenho um amigo especial também.
Eu afastei umas camisetas do canto da parede e destranquei a porta, entrando no pequeno cômodo. Estava escuro, então liguei a luz. Olhei ao redor, para todos os jogos empilhados, para o sofá velho mas confortável, para os consoles de videogame guardados. Era o canto secreto de Max, que só ela vinha antes de mim, jogar depois da escola, como vi naquele outro dia.
Eu passei a mão pelo sofá, sentindo a eletricidade percorrer todo o meu braço, imaginando que Maxine sentava ali, deitava ali, talvez dormisse ali de vez em quando. E tirava o pó dos jogos. Não havia muita poeira ali. Eu escutava ecoando por aquelas paredes todos os xingamentos que ela devia dizer em voz alta sempre que perdia uma partida de algum jogo ou levava dano. Dei um sorrisinho sem nem perceber.
Andei até a entrada no canto da parede e comecei a subir a escada até o solário. Fiquei parada perto da porta, debaixo do teto, me escondendo da chuva e olhando o horizonte claro.
Tentei digerir tudo que tinha acontecido. Me encostei na parede atrás de mim e escondi meu rosto com as mãos.
— Eu gastei meu primeiro beijo com ela. — Suspirei e deixei minhas mãos escorrerem da minha cara, batendo na parede com força. — PORRA!
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A Vida Absolutamente Ordinária de Amanda Pritchett ⚢
Ficção AdolescenteAmanda Pritchett tem 15 anos, pais recém-divorciados, uma irmã de 11 anos, um costume antigo de rabiscar e fazer colagens, uma imaginação tão fértil que talvez seja um pouco preocupante, uma luz noturna infantil e vontade de beijar garotas. Após o d...