Acordei no sábado com a baba seca desenhando uma linha esbranquiçada e enrugada na minha pele e cocei os olhos meio sem saber se o dia anterior tinha sido real.
Me virei de lado e puxei o colchão um pouco pra cima, o suficiente pra ver o cantinho da capa da história em quadrinhos que li ontem. Soltei o colchão e me revirei sobre a cama, encarando o teto com olhos remelentos.
Eu tinha um livro COM GAROTAS QUE BEIJAM GAROTAS. LOGO NAS PRIMEIRAS PÁGINAS! ONDE EU ESTAVA COM A CABEÇA? Eu ia devolver. Não, eu não ia. Um LIVRO! SOBRE GAROTAS QUE GOSTAVAM DE GAROTAS. E AGORA ELE ESTAVA NA MINHA CASA.
NO MEU QUARTO.
MINHA MÃE IA VER.
EU VOU MORRER.
ERA SÁBADO. SÁBADO. A MISSA. JAMIE. NÃO.
Me sentei em um pulo, com as mãos na boca e os olhos quase criando pernas e saltando pra fora das órbitas com os bracinhos sacudindo pra cima, correndo e gritando, rua afora.
Meu estômago se comprimiu. E se ela percebesse tudo? Eu era uma péssima mentirosa, fazia uma péssima cara de porta. Minhas emoções são facilmente lidas em cada gota de suor que escorre pela minha testa. Como ela NÃO perceberia?
Como em todas as outras vezes, não consegui convencer mamãe a me deixar em casa no horário da missa nem com a desculpa do dever de casa. "Você tem o fim de semana inteiro pra fazer, uma ou duas horas fora não vão fazer a menor diferença". Bem, ela não estava errada.
Mamãe sentou ao meu lado e cruzou as pernas, descansando as mãos entrelaçadas sobre os joelhos. Um pouco depois, todas as trivialidades da igreja começaram. Meu cérebro derreteu com o calor que meu corpo emanava.
Minhas mãos suavam tanto que eu poderia facilmente deixá-las na horizontal e observar as gotas de suor se condensando, eu aposto.
Estar ali trouxe à tona o quanto eu odiei Deus por anos.
Mesmo que minha família nunca tivesse sido religiosa, fora a parte do meu pai, Hinduísta, Catolicismo era algo que eu meio que via todo dia, mesmo morando numa cidade pouco religiosa, por estar cada vez mais presente na vida da minha mãe.
Lembro que mamãe e vovó brigaram bastante nos primeiros anos em que as discussões constantes com papai começaram, e eu odiava cada segundo daquilo. Mamãe queria nos afastar de papai. Vovó dizia que ela não tinha o direito de fazer isso com a gente, mesmo que concordasse com o que mamãe dizia de papai, e ela criticava muito o que o cristianismo fazia com as pessoas, falava que eles dois iam estragar nós duas de formas diferentes. Vovô não falava muita coisa, ele teve alzheimer precoce. Nessa época, pelo menos, ele ainda se lembrava de mim.
Talvez, se mamãe não tivesse começado a ter uma relação nada saudável com o Cristianismo, eu não odiasse tanto o Deus Cristão. Porque eu nunca teria tentado acreditar nele.
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A Vida Absolutamente Ordinária de Amanda Pritchett ⚢
Teen FictionAmanda Pritchett tem 15 anos, pais recém-divorciados, uma irmã de 11 anos, um costume antigo de rabiscar e fazer colagens, uma imaginação tão fértil que talvez seja um pouco preocupante, uma luz noturna infantil e vontade de beijar garotas. Após o d...