Jessica é uma pequena versão de mim, quer dizer, uma versão menor, já que eu mesma não passo dos 1,53. Era uma versão que eu, sinceramente, preferia ter sido. Mais bonita, talentosa, inteligente e desenrolada, ela tem tudo para vencer na vida.
A pequena gremlim babava majestosamente no meu ombro. A baba escorria lentamente de sua boca aberta, como uma criança fugindo de casa, a passos delinquentes por trás de um sofá onde dormia um pai fedendo a cigarro, pra comprar sorvete com os amigos. Até a baba da minha irmã tinha uma vida interessante.
— Jessica. — Eu a sacudi.
— Quê? — Ela sequer se deu o trabalho de abrir os olhos. Apenas mexeu a cabeça e se acomodou novamente no meu ombro. Seus longos cabelos castanhos e lisos, cortados com uma franja reta sobre as sobrancelhas, contrastavam com os meus cabelos ondulados e pretos, sem forma, na altura do ombro.
— Você tá babando em mim. Vira pro lado e vai babar na sua mochila. Agradeço a oferenda, mas passo. — Ela abriu os sonolentos olhos azuis, que, mesmo sendo da mesma tonalidade que os meus, ficavam lindos apenas nela. O meu nariz meio grande, meus olhos grandes, redondos e assimétricos, minha sobrancelha grossa e desgrenhada e minha ridícula quantidade de sardas estragavam toda a minha cara. Todo mundo dizia que me fazia parecer suja.
E aquela merda não saía com água e sabão, já tinha esfregado tanto meu corpo que criei feridas nele.
Jess era um pouco mais clara, tinha puxado à mamãe, enquanto eu puxei mais à ascendência indiana de papai, com a pele de um tom castanho quente. Eu tinha lábios mais grossos em cima do que embaixo e um nariz reto, Jess tinha um nariz pequeno e redondo e uma boca que parecia sempre fazer um biquinho.
— Você é mais confortável. — Fechou novamente os olhos. O carro balançava conforme minha mãe virava o volante pelas curvas da estrada.
— Pelo menos coloca esse casaco aqui embaixo da cara, pelo amor de Deus. — Suspendi sua cabeça e enfiei um moletom amarelo entre meu ombro e o enorme e pesado cabeção da minha irmã.
— Shh... — Levou o indicador aos lábios. — Travesseiros não falam.
Olhei através da janela, observando a paisagem passar para trás, com pressa, como se tivesse esquecido o peru no forno na tarde de Natal e ele estivesse empestando a casa inteira com cheiro de fumaça, ameaçando causar um incêndio. Já estávamos na estrada há 3 horas, ou algo próximo disso. Quão longe Heron Lake poderia ser do resto do mundo?
— Mãe, falta muito pra chegar? — Segurei a cabeça de Jess para que não pendesse para a frente quando passamos por um buraco e todo o carro chacoalhou.
— Mais umas duas horas. Pode voltar a dormir, Mandy. — Mamãe me olhou rapidamente através do retrovisor e logo tornou seus olhos novamente para a estrada.
— Eu não consigo, essa estrada tem muito buraco e minha cabeça fica batendo no vidro. — Ou talvez eu só estivesse sentindo o ácido do meu estômago me corroer e me deixar nauseada.
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A Vida Absolutamente Ordinária de Amanda Pritchett ⚢
Teen FictionAmanda Pritchett tem 15 anos, pais recém-divorciados, uma irmã de 11 anos, um costume antigo de rabiscar e fazer colagens, uma imaginação tão fértil que talvez seja um pouco preocupante, uma luz noturna infantil e vontade de beijar garotas. Após o d...