CAP 48 - O por-do-sol na cúpula de Van Gogh

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— Amanda? — Olhei pra ela, ainda nervosa, sentindo todas as coisas ruins que a lembrança me trouxe, como se quisessem me engolir. Olhei ao redor, verificando que não tinha tanta gente assim perto de mim. Soltei a mão de Maxine. — Mad, tá tudo bem?

— Você quer ir na roda gigante? — Ela assentiu.

— Não é nenhum Olho de Londres, mas é a melhor vista da cidade inteira. — Ela se virou pra olhar pra mim.

Inspirei fundo. Calma, Amanda. Passou. Tá tudo bem agora, não estrague esse momento.

— Tá bem. — Ela deu um sorriso pequeno e reconfortante.

Nós andamos pra frente quando a fila se moveu. As pessoas começaram a entrar enquanto outras ainda estavam saindo. Como formiguinhas indo e voltando da colônia, buscando tiquinhos de açúcar que alguém que adoçava um chá muito amargo displicentemente deixou cair. Nesse cenário, eu era uma formiguinha, mas também era o açúcar e o chá amargo e a pessoa sem coordenação motora que deixou o açúcar cair da colher. Talvez ela tenha se distraído com as luzes da roda gigante. Piscando. Uma vermelha ali no canto que não funcionava. 

Quando entramos, Max falou alguma coisa com o maquinista, que revirou os olhos e voltou a checar quantas pessoas estavam entrando.

Nós subimos numa cabine amarela enferrujada que se movimentou assim que eu apoiei meu corpo sobre o metal, me segurando em Maxine pra não cair. Logo depois de mim, ela pulou de uma só vez na cabine, fechando a portinha, o que fez com que todo o assento se movesse pra frente e pra trás.

— Espero que não chova. — Ela disse, olhando pra cima. Nossa cabine se moveu pras próximas pessoas subirem.

— Acho que não vai chover, o céu tá bem claro. Parece que a gente tá debaixo de uma cúpula de vidro e alguém veio com um pincel gigante e pintou um por do sol digno de um museu só pra gente olhar. Mas na verdade fora da cúpula tá chovendo e as plantas vão morrer sem água. — Me contive de continuar a elaborar meu pensamento assim que percebi que estava falando demais.

Esse tipo de pensamento não costumava sair pela minha boca. Mas foi como se ele tivesse criado vida e saído pulando direto da garganta gritando um sonoro "UHUL!" e atingido Maxine na cara.

Ela ficou olhando pra mim com uma cara abestalhada. O pensamento a pegou com força demais.

A roda gigante começou oficialmente a girar. Max apoiou os braços no ferro amarelo à nossa frente, com a cabeça deitada sobre os braços, e olhou pra mim com um sorriso.

— Agora eu entendi o que você quis dizer quando explicou sua forma de pensar.

— Como assim?

— O jeito que você olha pros seus vagalumes, que você não deixa eles voarem por aí desgovernados como as minhas vespas. Você sente o mundo, você não está nele. — Ela apoiou a cabeça na mão, com o cotovelo no metal amarelo. O vento balançava o cabelo dela e o lençol que eu tinha por cima do corpo.

 — Isso é bom ou ruim? — Eu perguntei. Ela se aproximou de mim.

— E importa? — Ela olhou no fundo dos meus olhos. — Eu escutaria com atenção até as batidas do seu coração.

Eu ri.

— E você sabe, eu sou um vampiro, eu tenho super audição. — Ela colocou as mãos atrás da cabeça.

— Vai falar rimando agora, Shakespeare? — Eu ri, ela ficou vermelha.

A roda gigante parou e nós demos a sorte de estar no topo. Eu conseguia ver quase a cidade inteira lá de cima. Minha casa, a casa de Max, a casa de Jamie, de Kyle, a igreja, a Grandhill, o lago das garças, que deu nome à cidade. Conseguia ver o viaduto que ligava ao outro lado da cidade.

A Vida Absolutamente Ordinária de Amanda Pritchett ⚢Onde histórias criam vida. Descubra agora