CAP 54 - Shampoo de bebê e chuva

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Fiquei alguns minutos parada olhando para a pulseira de Maxine, lembrando de tudo, sentindo tanta coisa misturada ao mesmo tempo. Memórias fortes demais que foram parar na parte de trás do meu cérebro para que eu não as visse e não as sentisse.

E não as senti.

E não as vi.

Então tudo doía de novo agora. Tudo tinha voltado.

Coloquei a pulseira no meu braço direito, o mesmo que doía agora, ao lembrar de tudo, e me levantei.

Comecei a guardar minhas roupas de volta na mala. Eu precisava voltar. Precisava falar com Maxine. Eu precisava dizer que eu lembrava dela. Vesti a jaqueta de Theo por cima de um casaco de capuz amarelo, um boné que eu coloquei para trás e uma calça jeans.

— Pra onde você tá indo a essa hora com essa mala, Amanda? — Papai voltou do quintal, batendo os pés para limpar a sujeira lá de fora.

— Vou voltar pra casa. — Desci as escadas fazendo barulho. Meus tênis estavam acabados, rasgados dos lados.

— Não é melhor esperar e sair amanhã de manhã? Está muito frio.

— Não, eu preciso resolver coisas lá. — Parei nos pés da escada.

Ao ver papai, a memória voltou de novo. Ele no quarto com aquela loira. Ele saindo do hotel sem falar com a gente, sem sequer olhar pra gente, sem sequer olhar pra MIM, eu que estava com um braço quebrado, destroçado, e a cabeça cheia de pontos, ainda sangrando. Ao me olhar, ele sabia que eu tinha lembrado. 

Ele sabia que tinha nos abandonado naquele dia. E nada depois daquilo foi igual. Ele e mamãe estavam apenas de corpos presentes, mas as mentes ainda estavam em Londres.

— Eu prometo que vou melhorar, filha. Vou te visitar, você pode vir pra cá, conhecer melhor o seu irmão. — Olhei pra porta, de onde Niyati entrava com Kabir no colo.

— Meio-irmão. — Olhei pra Kabir. Niyati o deixou no chão e ele começou a andar na minha direção.

— Manda. Qué colo. — Ele ergueu as mãos.

— Não, Kabir. — Apontei para a porta. — Manda embora.

— Vem. Bincá. — Ele pegou na minha mão. Fechei os olhos. 

Papai tinha traído mamãe várias vezes e por isso ela virou o que ela virou. Era tudo culpa dele. Minha relação com a minha família era boa antes disso acontecer, antes de papai fumar e beber, antes de mamãe virar uma doida religiosa e começar a forçar as preferências dela em cima de mim cada vez mais.

Eu era mais sociável, mais proativa antes disso tudo acontecer. Fui eu que falei com Maxine primeiro, mesmo sem conhecer ela, era eu que sempre ia bater na porta do quarto da família dela pra gente brincar, fui eu que dei nosso primeiro beijo. Depois disso eu criei uma barreira, uma ansiedade social que quase me impediu de viver isso tudo que eu vivi em Heron Lake. Eu ainda não consigo falar direito com estranhos, fico nervosa, e ainda não me sinto bem no meio de muita gente, mas eu estava melhorando. Não ia ser de uma vez, não ia ser rápido assim, mas eu estava voltando a ser eu.

E nada do que aconteceu era culpa de Kabir.

Eu o peguei no colo.

— Manda não pode brincar agora, mas Manda volta. — Ele pegou meu dedo com toda a sua mão e assentiu.

— Manda volta. — Eu assenti e o deixei de volta no chão.

Olhei de volta pra papai antes de fechar a porta. Ele disse:

A Vida Absolutamente Ordinária de Amanda Pritchett ⚢Onde histórias criam vida. Descubra agora