Onze

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Dessa vez, todos olhavam para o senhor Eliade com atenção. Até mesmo o selvagem do Haaka. Cada um daqueles olhos se prendiam como a âncora de um navio cravada no chão. Me admirei com o silêncio que surgiu. 

 — Não vou repetir mais de uma vez. Primeiro vou explicar o exame em si. Venham comigo. — ele caminhou para fora da guarita. Bateu palma duas vezes e a chuva cessou. Arregalei os olhos, com certeza me lembro disso. Não só eu, todos estavam paralisados, atônitos, como se tivesse caído um raio na cabeça de cada um. — O quê estão esperando? — o senhor Eliade batia o pé no chão, impaciente. — Venham logo! — não esperamos um terceiro chamado, fomos de imediato. Uma cidade foi entregue a nossos olhos. Uma cidade comum, como qualquer outra, como Sorocaba, por exemplo. Talvez fosse um pouco maior. Mas não levou muito tempo até descobrir que não se tratava disso, não, não era uma cidade qualquer. O que vi não era em uma ou outra casa, na verdade, os muros e paredes de todas as estruturas ali, rachavam-se do alicerce ao teto. Se olhássemos bem eram casas velhas, destelhadas e foscas. Antes que eu ou qualquer um perguntasse alguma coisa, Eliade se deu ao trabalho de explicar. — Estamos em Ouro Preto, na Província de Minas Gerais.

 — Ouro Preto? — Rui questionou com um tom de incredulidade. — Como pode ser? Meu pai tem uma indústria nessa cidade. Aqui parece um monte de ruínas.

 — Você não está errado. — uma forte ventania interrompeu a fala do senhor Eliade e nos assustou, como estávamos numa região montanhosa então supus que fosse normal. — Mas a cidade que você fala, é uma cópia, uma réplica desta aqui. A Ouro Preto de verdade está abaixo de seus pés. — olhei em volta. Senti um calafrio na espinha. Nunca fui de acreditar nessas coisas, mas uma sensação pesada de tristeza parecia se espalhar com aqueles ventos. Talvez fosse porque não era muito agradável ver aquelas calçadas rachadas e as casas ao meu redor quase desmoronando, uma arquitetura tão linda toda desbotada, sem cor, sem vida. E o céu fechado também deixava tudo mais melancólico. — Aqui já foi uma das maiores cidades do país. Assim como a Ouro Preto que vocês conhecem, a principal atividade econômica dessa cidade era a mineração. Talvez até fosse maior nesta aqui.

 — E o que aconteceu? — escutei a voz da baixinha Ária.

O senhor Eliade hesitou, estava reflexivo. Acho que ele não sabia ao certo como contar.

 — Um barbarian. Um único barbarian, aconteceu. — ele suspirou. O silêncio da pausa seguinte era massivo, quase poderia senti-lo escorrer entre os dedos. — Depois disso, as comunas, a corte e até mesmo os governos de outros países, acharam melhor manter isso em sigilo. Mas como apagar uma cidade inteira da existência? Nem eu sei. Só sei que eles criaram uma cidade cópia para substituir a existência dessa. Hoje, depois de vinte anos, ninguém e nenhum lugar ou documento, contém qualquer informação que comprove a existência desse lugar. — mais um silêncio, um trovão no céu, uma brisa gelada de aflição. E, por fim, o senhor Eliade tomou novamente a palavra. — Como já devem imaginar, aqui será o local do teste. Vou explicar as regras de maneira bem resumida, então prestem bem atenção — ele suspirou cansado de novo — e por favor, não me façam ter que repetir mais de uma vez, pensa só o trabalho. Certo, primeiro de tudo, imaginem o seguinte cenário: esta cidade não está destruída, há milhares de pessoas vivendo aqui, porém está ocorrendo um ataque barbarian vindo das montanhas ao norte — ele apontou o dedo — o trabalho de vocês é o básico de todo espião da nossa comuna, vocês devem deter o ataque antes que chegue na cidade.

 A voz fina de Ária foi escutada.

 — Teremos que enfrentar barbarians?!

 — E qual o problema disso? — Haaka questionou escandaloso, como sempre.

 — É que... Eu não pensei que...

 — Não precisa se preocupar — o senhor Eliade suspirou e prosseguiu: — Não são barbarians de verdade, são ilusões criadas pelo professor Hamicota. Ele utilizou fungos para simular a massa e as características de um barbarian de verdade. Mas, ainda assim, eles lutam como um deles, embora não tenham a mesma resistência e possam ser derrotados mais facilmente. Mas tomem cuidado. Há exatamente nove dessas criaturas, uma para cada um de vocês lutar. Há apenas três condições para vocês passarem no teste. Primeiro, precisam derrotar esses monstros, claro. Se por acaso acharem que eles são fortes o suficiente e não conseguirem derrotá-los, podem desistir. Basta apenas levantar o indicador assim, para cima, que um professor irá socorrê-lo. Vocês terão três horas para isso, devem derrotá-los antes do tempo acabar. Segundo, não podem deixá-los chegar na cidade. Se eles colocarem um pé que seja na calçada da cidade, o responsável que estava lutando contra aquele barbarian será automaticamente eliminado. Como os professores já explicaram, somos espiões e não podemos permitir que as pessoas comuns saibam da existência desses monstros e etc. Finalmente, a última condição. — ele suspirou pela terceira vez seguida. — Vocês não podem, de modo algum, ajudar outra pessoa em uma luta. — ele pegou um papel no bolso, o vi revirando os olhos. Seu tédio era quase que contagiante. Ele começou a ler — como sabem, na vida de um agente da comuna, terão que enfrentar situações em que estarão sozinhos e tals... Vida ou morte... blá-blá-blá missões sigilosas. Enfim, é isso. Devem enfrentar cada um o seu barbarian. Não se preocupem, somente um barbarian irá te atacar, não haverá nenhuma luta contra dois de uma vez. Então não devem se intrometer na luta do amiguinho, se fizerem isso, será eliminado e, se o outro candidato aceitar a intromissão, também será eliminado. Cada um deve lutar com seu próprio barbarian — ele pôs uma mão escondendo o rosto. Suspirou fundo, de novo. — Pelo amor de São Tomás de Aquino, não me causem problemas.

Homens Também Sentem MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora