Cinco

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Acho que a incerteza do que vai acontecer nos deixa sedados. Comigo não foi diferente depois que deixei o fórum. Mas de uma coisa tinha certeza: Não podia ficar mais naquela casa. Depois de tudo o que aconteceu, certamente Anthony iria descontar o que pudesse nas torturas que adorava fazer. Suas mãos rígidas, impiedosas e sua gargalhada insana perturbaram minha mente. Comecei a tremer. Não sei se aguentaria mais uma hora sequer naquele quarto escuro. Enquanto voltava para casa, correndo por sinal, passei em frente ao meu pesadelo, vi aquela porta podre de madeira e as paredes cobertas de bolor. Vomitei ao imaginar ele abrindo-a e me jogando lá dentro. O café da manhã saiu completamente para fora, me deixando mais zonzo que meu tio quando bebia.

Não podia perder tempo, em breve Anthony retornaria e minha chance iria se desvanecer. Cheguei em casa. Peguei uma mala, coloquei as primeiras roupas que encontrei no armário. Não tive o luxo de escolher. Dois pares de sapato e agasalhos. Cruzei a sala de jantar, onde vi o saxo emoldurado. Não poderia deixar que Anthony o vendesse. Quebrei o vidro da moldura com o cotovelo e tomei o saxo, em seguida, peguei a bainha de facas do meu tio em seu quarto e o coloquei na cintura com a adaga. Depois fui para o quarto de minha tia. Sabia que ela escondia notas no sapato para sustentar seu vício em comprar perfumes. Retirei o forro e encontrei o valor conjunto que se somava uns três mil réis. Não era tanto, mas o suficiente para sobreviver por uns dois ou três meses lá fora.

 Finalmente, no portão da fazenda, virei o rosto para trás. Apertei a libra no meu bolso e despedi meus olhos uma última vez da casa. Tomei a estrada a direita caminhando sem pressa mais. Escutei passos que corriam detrás de mim. Geraldino tentava me alcançar. Me dei conta que havia me esquecido de me despedir dele. Ele se esforçou para me convencer a ficar, mas até ele sabia o que me aguardava se decidisse permanecer naquele lugar. Geraldino apertou minhas mãos – algo que nunca havia ousado fazer – e despediu-se com lágrimas nos olhos. Acho que de todos, era o único que sentiria minha falta.

 Vi Anthony chegar a metros na estrada da esquerda. Ele desceu da carruagem e também me viu. Desconfio que um de seus amigos tenha se oferecido para ir atrás de mim, mas ele estendeu a mão o bloqueando. “Deixe-o ir”, li em seus lábios. E assim eu fui. Não havia mais lugar para mim ali. Não eram mais minhas, afinal de contas.

As vezes penso que os caminhos que as raízes de nossa vida tomam são inexpugnáveis. Meu pai provavelmente diria isso, não se pode confrontar o destino. Mas eu sabia que no fundo era uma grande bobagem, já que, eu só estava cruzando aquela estrada por conta de meus próprios erros, sabia que poderia ter feito aquilo de uma maneira muito melhor.

 Agora, o destino de um garoto órfão, pobre e sem casa, é mendigar no centro da cidade. E é o caminho que logicamente tomaria. Anthony deveria imaginar o mesmo também. E ele teria mais prazer em me ver nesse estado do que qualquer tortura que fizesse, não é atoa que permitiu que fosse embora. “Em poucos dias ele deve rastejar de volta para cá” provavelmente pensou. Felizmente, ainda estava com o papel que aquele garoto esquisito, o detetive dos cabelos flamejantes, havia me dado. Uma esperança, ainda tinha. Iria trabalhar, trabalhar e enriquecer para, um dia, como eu mesmo disse, trazer a justiça aquele fim de mundo. “O imperador pode te ajudar com isso”. Lembrei-me do que Geraldino disse antes de se despedir. “O imperador pode te ajudar a encontrar justiça! Seu pai confiava nele. E nóis tudo confiamo!” Eu descreditava muito de qualquer nobre, ainda descredito. Mas, de fato, meu pai dizia que Pedro era diferente, um homem reto, com um forte senso de justiça. Tive que engolir meu orgulho, já que não havia outra opção mesmo. E foi no imperador que, ali, andando naquela estrada lamacenta, manchando as botas, que apostei minhas últimas esperanças. Iria enriquecer e encontrá-lo — afinal de contas, nem o mais santo dos nobres iria querer escutar um plebeu qualquer — e, por fim, com a ajuda dele, traria a essa cidade o que eles tanto procuram sujar. Recuperaria as terras de meu pai e colocaria Anthony para limpar o meu excremento. Foi o que estava decidido. Um sonho utópico, um sonho de um garoto estúpido que acha que ainda poderia existir justiça em algum lugar nesse mundo.

Homens Também Sentem MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora