Dez

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É natural na maioria dos trabalhos, um treinamento obrigatório antes de começar a atuar na área. Todo mundo sabe que uma pessoa não pode simplesmente decidir ser médico e sair por aí fazendo cirurgias. Ou do nada querer pegar numa espada e em uma carabina e se voluntariar para ser policial. No meu caso, treinei feito um cachorro por cinco meses para ser um espião. Antes eu era um molenga que não sabia fechar o punho para dar um soco sem quebrar o dedo antes. Segundo o professor Tobias, ele fez questão de em todo esse tempo, me igualar ao nível físico dos outros candidatos. Mas ainda estava inseguro. Faltava algo, faltava o principal. Eu sabia que ainda não estava completamente apto para ocupar aquele cargo. Sabia que não, não estava no mesmo nível que os outros.

“No devido tempo, deve encontrar com aquilo que já está em você, Franz. Você não está atrás deles por não saber isso, está mais ao lado deles do que imagina, mas não está atrás.” Foi o que o professor Tobias disse minutos antes de subirmos os degraus da escada. E no final, essas palavras foram tão inúteis quanto tomar banho para nadar num rio. Não é como se eu não confiasse nele. Tudo bem, não tínhamos a relação de confiança mais perfeita do mundo, mas eu sabia que o professor não mentia. Talvez ele só exagerasse na verdade, o suficiente para esconder dos meus olhos o que estava claro: Eu era um fracasso com aquele poder.

Me senti desconfortável quando os olhos imponentes dos outros candidatos cruzaram com os meus, com meus olhos fracos. Os seis estavam em fila horizontal, formando um arco em volta do desenho do dragão ao centro da sala. Haniel, o garoto gótico sombrio, me encarava como se analisasse um quadro de um museu, ou uma escultura, como se procurasse entender o significado do que via. Piatã estava lá também. Ele deu um sorriso de lado e levantou o polegar, um joínha desejando boa sorte. A preguicinha em suas costas esticou o pescoço para acima de seu ombro e sorriu da mesma forma. Elizabeth, a loirinha rechonchuda também me olhava, mas quando nossos olhos se encontraram, ela desviou tão rápido como se tivesse levado um susto. As írises azuis de Rui só chegaram em meu rosto de passagem mesmo e logo voltaram a parede, como se ela fosse mais interessante. Me coloquei ao lado de Núbia. Ela era bem mais alta que eu e seus cabelos crespos, por serem bem cheios, escondiam o suficiente o rosto dos demais participantes de minha vista, para meu alívio. Ela olhou-me de canto, sorriu tão minuciosamente que quase não percebi. Pude escutá-la sussurrar: “Estou ansiosa para ver do que é capaz, Franz Silvertoch”.

 Nos mantivemos de pé por mais alguns minutos. O horário de início do teste já havia passado e minha nuca coçava tentando entender o motivo do atraso. Vi para o professor Tobias encostado na parede com despreocupação. Pela cara dele não era como se tivesse que ter começado. Relaxado como sempre.

 — É que está faltando um candidato. — Nubia respondeu, provavelmente notando minha inquietação.

Curvei a coluna para trás, procurava tentar lembrar de todos os rostos que vi naquele dia em que me apresentei na comuna. Quem seria o atrasado? Seria Áquila?

 — Áquila não participará do teste. Ele já é membro da comuna. — a moça concluiu. Fazia sentido, já que até então ele estava com Tobias numa missão, quando nos encontramos na fazenda pela primeira vez.

Mas então, quem diabos que faltava? Forcei minha cabeça. A resposta não era tão difícil. “Haaka”, me lembrei e, como uma coincidência do destino, o demôniozinho surgiu amassando os degraus da escada e escancarando a porta como um gorila. O cara não disse nada, seguiu até meu lado e se manteve ali como se não tivesse me visto.

 — Pois bem então. — Tobias finalmente desencostou da parede. — Vamos prosseguir com o início do teste. — nos segundos seguintes, um assobio agudo de vento, chiou até meus ouvidos. Um apito nauseante. Olhei para os lados e percebi que não foram só nós meus, os demais pareciam incomodados também. Um redemoinho cinza se formou na sala, ao lado de Tobias. O ruído ficou mais forte. Um vulto negro emergiu do redemoinho, finalmente, o vento cessou.

Homens Também Sentem MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora