Vinte e Quatro

35 6 40
                                    

O céu de Petrópolis estava aberto, como de praxe. É incrível como nunca, em todas as vezes em que visitei essa cidade, as nuvens estavam escuras. Era daquele azul gostoso de verão, com poucas nuvens no céu, de dar vontade de mergulhar no rio. Dizem, até hoje, que não existe lugar no mundo, com o céu mais azul que o de Petrópolis.

Estávamos, Apolo e eu, comendo uma tilápia e tomando um suco de acerola ao céu aberto, as margens da lagoa que desenhava-se ao contorno do hotel onde nos hospedamos. Apolo era o nome que escolhemos ao garoto dos cabelos platinados. Na verdade, eu quem tive a ideia de lhe dar esse nome, já que não ia funcionar ficar chamando ele só de “garoto”, e por ele não se lembrar de nada sobre seu passado, seja nome, sobrenome, da onde ele veio ou quem eram os seus pais, também não tinha como esperar até descobrirmos alguma coisa sobre ele, se é que descobriríamos. O que nós sabíamos era que: por algum motivo, Salieri o sequestrou e ele tinha alguma importância para esse desgraçado. O mesmo valia para a Comuna de Alexandria, que estava atrás dele. Dado isso, a senhora Rhodes autorizou que ele ficasse sob a nossa guarda, sob a guarda do professor Tobias mais especificamente, até que tivéssemos mais informações ou que Apolo conseguisse se defender sozinho. E agora lá estávamos nós, enchendo a barriga as custas do dinheiro de Tobias, como adorávamos fazer nesses últimos três meses.

— Não esperava que você fosse gostar tanto de tilápia. — disse a Apolo

— Confesso que eu mesmo também não. — Apolo tinha uma voz baixa, por mais que se esforçasse, não conseguia falar alto. Era tênue e harmônica, era como um assovio dos ventos de inverno.

— Isso me trás lembranças. — suspirei, pensativo — Quando passei no teste da Comuna de Cartago, o professor Tobias me levou para comer uma peixada. Ele disse que fez isso pensando no professor dele — comecei a refletir com a última frase. Depois pus a mão no bolso, peguei uma moeda manchada, de mil réis. Vi o rosto do imperador de trás dela. Era a moeda que o professor havia me dado, o troco do nosso almoço — parando para pensar, o professor Tobias vez ou outra menciona o professor dele, mas nunca me contou o que aconteceu com ele, onde ele está agora.

— Talvez seja porque não é algo agradável de se contar.

— E o que seria desagradável? — nos entreolhamos, parecendo tentar ler os pensamentos um do outro. Até que Piatã surgiu do horizonte, com Uzù, como de costume, agarrado em suas costas. Apolo ainda se assustava um pouco com a preguiça, ele não se dava muito bem com animais.

— O professor Handel está chamando todos lá dentro — apontava o polegar para o hotel — acho que já é para nós irmos nos arrumar.

— Agora? Você sabe que ainda é meio-dia e quatro né? — tenho certeza que eu o encarei com um olhar estarrecido — Que eu saiba, o congresso só vai ter início três horas.

— É... É... — ele revirou os olhos — Mas pelo o que o professor Hamicota disse, é um costume chegar alguns minutos mais cedo. Um costume antigo. E ainda temos que buscar os classes alfas na alfaiataria oficial. — nos encaramos com deboche e depois rimos.

O Congresso das Comunas, o evento mais importante e crucial na vida e atividade de qualquer comuna. Acontece de cinco em cinco anos. Todas as principais comunas do país são reunidas num salão imenso onde terão que relatar seus feitos na presença do próprio imperador e do primeiro ministro. É a chance de comunas menores ganharem prestígio e de comunas grandes conseguirem se tornar cardinais. Mas, se isso acontecesse, significaria que Cartago perderia seu posto e sua importância.

Até então, esse não era o único motivo que nos deixava ansiosos. Todos os classes alfas, de todas as comunas, eram convidados ao evento. Isso incluía os famosos classes alfas da Comuna de Cartago, os Cinco Grandes Dragões. Tá certo, tudo bem que um deles não era lá grande coisa. O Senhor Dom Sélquis que conheci na igreja abandonada tinha mais a aura de um galanteador arrogante do que de um guerreiro experiente digno de ser classe alfa, mas também ele era o número quatro dos cinco Dragões e todo mundo sabe que, quanto mais próximo se é do número um, mais poderoso.

Homens Também Sentem MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora