Vinte e Três

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Eles já lutavam há quase meia hora. Assistíamos de longe, amargurados com o frio que pairava e se espalhava como fumaça naquela igreja mofada. Tobias ordenou que não interferíssemos. Mas era difícil ficar só assistindo enquanto víamos nosso professor ser esfacelado pelo oponente.

Kenichi era seu nome. Além do rosto esticado que parecia um alho-poró, tinha os olhos puxados de um oriental, assustadores e impertérritos. Era alto como uma viga de mármore, de um jeito truculento. Deveria estar na casa dos vinte, capaz que tivesse a mesma idade de Tobias. Certamente ele era mais poderoso que nosso professor.

— Sabe por que está perdendo, Tobias? — surtiu sua voz áspera. Quanto ao professor, caído no chão, com sangue tingindo do queixo a testa, olhou para cima, nada disse. Kenichi prosseguiu: — Porque você é estúpido e o que eu mais desprezo são pessoas estúpidas. Esse tipo de pessoa, não sobrevive quando encontra meus olhos. — vi, o professor se contorcer. Senti agonia com sua dor — Está se sentindo bem da cabeça? — perguntou a Tobias — Vejo que está difícil raciocinar, pelo jeito, né?

— Eu já entendi. — Eliz sussurrou a mim — A capacidade cognitiva do professor está sendo furtada.

— Como assim? — questionei.

— O que esse cara tá fazendo é basicamente roubar a inteligência de Tobias.

— E isso é possível? Como você sabe?

— Todo cérebro emite ondas invisíveis ininterruptamente. Elas são como se fosse a consequência do funcionamento do cérebro, como a fumaça que sai da chaminé de um trem. Geralmente os mais inteligentes são os que mais emitem ondas cerebrais. Em alguns casos, por eu fazer parte do poder de Haaka, consigo ver essas ondas. E é por isso que vejo as de Tobias serem aspiradas direto para a mente de Kenichi. Agora como isso é possível, não sei te dizer.

— Ele disse que despreza pessoas estúpidas. — iniciei — Então consegue roubar a atividade cerebral desse tipo de pessoa para melhorar sua própria inteligência... Bem, é só uma hipótese na verdade.  

— E faz muito sentido. Só que, desde quando o professor é estúpido? A inteligência dele chega a ser maior que a nossa somada e elevada ao cubo.

— Talvez estejam se limitando apenas ao que conseguem ver — a voz baixa e fluida do garoto com o cabelo platinado nos interrompeu. — Ele disse apenas que despreza pessoas estúpidas, mas é algo muito relativo. O que define se alguém é estúpido ou não? Qual seria o critério dele?

— A própria inteligência. — complementei

— Touché! — Eliz comemorou

— Então estamos lidando com um maluco que absorve a inteligência de qualquer um que é menos inteligente que ele? — fiz a pergunta retórica.

— Acham que deveríamos intervir? — vi olhos preocupados em Eliz — Eu sei o que o professor disse, mas nesse estado...

— Você não disse que a inteligência do professor é maior que a nossa inteligência somada e ainda elevada ao cubo? Com certeza o professor Tobias chegou a conclusão dos poderes desse cara muito antes de nós. Duvido que ele lutaria com esse alho-poró sem ter um plano. E, se interferíssemos, poderíamos acabar com esse plano.

— Ou talvez — dessa vez, o rapaz platinado disse vagarosamente —, o plano dele já tenha falhado e ele esteja sendo consumido pelo poder do inimigo.

Finalmente, paramos de falar e nos detemos apenas aos pensamentos que estouraram logo depois de escutarmos o rapaz platinado.

Provavelmente se passaram em torno de cinco a dez minutos. O sopro de vento que vinha das rachaduras na igreja batizava todo o ar que respirávamos com o odor repulsivo de ferro e sangue. Tobias estava no chão, mal se mexia, sua pele brilhava em escarlate e o vômito que expelia era de um vermelho agoniante.  

Homens Também Sentem MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora