Tio George me encarava sério. Parecia tenso, preocupado e, num grau leve, irritado. O bigode farto tornava mais intensa aquela aura soturna.
— Anthony me contou que esteve com os dois detetives ontem a noite. — Eu já deveria imaginar. Apostaria cem conto de réis que a história era de que eu fui lá fora para incomodar e atrapalhar os dois sujeitos.
— Desculpa, não sabia que não podia conversar com eles. — prendi meus olhos no chão.
— Não, eu deveria ter te alertado ontem. — ele soltou o ar que deveria segurar no peito desde que chegamos no escritório. Pôs a mão na testa exaurido e prosseguiu: — Esses homens, bem, como posso dizer... Eles não são o que parecem ser.
— Não são detetives?
— Não é isso. — ele abriu a boca para dizer algo, mas hesitou. Por fim, prosseguiu: — Só fique longe deles, tá bem? Não são pessoas que é bom ter por perto.
Não conversamos mais sobre isso e não ousei trazer o assunto a tona. Meu tio claramente parecia incomodado com a presença deles. Ambos almoçaram da nossa mesa e meu tio mal tocava na comida enquanto eles se serviam. Eu soube que a viagem de meu tio de volta para o Rio estava planejada para a tarde daquele mesmo dia, mas, pelo visto, ele adiou e suspeito que tenha sido por causa daqueles homens. Ele parecia não querer sair de dentro da casa de jeito nenhum e observava sua patrulha constantemente pela janela.
Era um dia atípico. Não encontrei com Anthony o dia todo. — Não que isso fosse um problema, pelo contrário. Mas desconfiava daquela calmaria tão profunda. Me contaram que ele havia partido para o centro, a pedido de meu tio, procurando compradores para alguns objetos de nossa casa que havia colocado a venda. Nunca tínhamos vendido nada antes, a não ser escravos, o que me fez temer que a crise nos cafeeiros pela chuva daquele dia tenha sido pior do que imaginava.
Finalmente, pela noite, encontrei na janela aqueles dois conversando entre a fogueira novamente e, logo, somente o rapaz de cabelos vermelhos. O outro parecia ter se retirado para rondar a área. De início, hesitei em encontrá-lo. As palavras de meu tio ainda caminhavam pela minha cabeça — como se elas não tivessem nada de mais interessante para fazer, do que me martelar até me der enxaqueca. Mas, de fato, tio George ficaria extremamente decepcionado se soubesse que encontrei com eles novamente. No entanto, Anthony não havia voltado para casa naquela noite para me dedurar. Provavelmente dormia em alguma hospedaria no centro. Sem contar que, relembrar o encontro agradável que nós três tivemos ontem, me encorajou a voltar a me sentar sobre a mesma pedra. Também senti tentado à descobrir o que eles de fato faziam para deixar meu tio tão transtornado.
— É por que somos uma agência secreta. — o rapaz de írises vermelhas me respondeu, olhando de canto. Voltava a mexer no fogo com um pauzinho, como ontem. — Por isso as pessoas desconfiam de nós.
— Se são uma agência secreta, por que está me contando isso?
Ele desviou os olhos do fogo, voltou a me encarar, sorrindo, com avidez em cada canto dos lábios.
— Posso te falar um segredo?
— Porque contaria um segredo para um desconhecido?
Ele riu, provavelmente de meu tom inocente.
— Justamente por conta do que é este segredo. — Curvei a cabeça igual um cachorrinho confuso. Ele riu mais. — Eu tenho um dom único que nenhuma outra pessoa na Terra tem. — seu rosto voltou à luz do fogo — Tenho a habilidade de conhecer o caráter de uma pessoa apenas olhando-a nos olhos. Sei se é mentirosa, gananciosa, bondosa, se procura amor ou apenas luxúria, se essa pessoa se importa com os outros ou só consigo mesmo.
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Homens Também Sentem Medo
Paranormal《《《 Livro Concluído 》》》 Não há problema homens sentirem medo. E Franz descobriu o porquê. Além do fato de ser filho de um herói de guerra, o herdeiro da casa milenar Silvertoch precisava ser forte, um homem de coragem, de confiança, um homem que nã...