Dezesseis

44 9 58
                                    

Com um andador, eu caminhava até a outra sala, sendo acompanhado pela pressa de Áquila.

 — Acabei de acordar. — o olhei de canto — Não dá para dar um desconto?

— Só tô seguindo as instruções de Tobias.

Era difícil sequer mover um braço, àquilo ia demorar mais do que Áquila esperava. Grunhi algumas vezes, ele suspirou com impaciência e aceitou:

 — Tudo bem, vai no seu tempo.

Olhei para a janela, a luz laranja do crepúsculo brilhava mais forte. Ardeu em meu olho. Respirei fundo.

 — Todos estão bem? — perguntei — Quero dizer, numa hora estávamos lutando contra aquele monstro poderosíssimo e agora acordo aqui. O que aconteceu com todo mundo? Salieri foi derrotado?

 Áquila permaneceu admirando meu rosto. Não disse nada a princípio. Depois, sua resposta veio.

 — Sim, todos estão bem. — disse despreocupado. Senti alívio — Pelo menos fisicamente bem. Além das duas fatalidades que você já sabe, ninguém mais morreu. Mas Salieri não foi derrotado. — virou o rosto, tenso — E nem poderia ter sido, já que não era ele lá na floresta também.

Prosseguimos por um corredor. Levamos mais alguns minutos até chegar a outra porta. As velas de cera de abelha já haviam sido acesas e causavam uma vibração aconchegante com sua luz amarelada que iluminava os papéis de parede. Entramos naquela sala com um desenho de dragão no chão. O professor Tobias e a senhora Rhodes estavam lá, como Áquila havia dito, de frente a uma fileira de longas janelas que traziam o laranja do fim do dia. Ficaram surpresos ao me verem.

 — Franz?! — Tobias exclamou com perplexidade — Por que está aqui?! A médica nos contou que você acabou de acordar.

 Dobrei a testa.

 — Como assim? Áquila disse que você queria me ver o quanto antes.

Desta vez, com o rosto enfezado, o professor encarou o garoto ao meu lado.

 — Falo com você depois — disse para ele. Áquila estremeceu. Finalmente, o professor virou-se para mim — Bem, iríamos te chamar depois que você descansasse um pouco. Mas já que está aqui, por favor, se sente. — e me estendeu uma cadeira. Os dois seguiam de pé, imponentes. Pareciam que já tinham na ponta da língua o que dizer — Antes de mais nada, nós gostaríamos de te agradecer profundamente, Franz.

 — Agradecer? — curvei o pescoço.

— Você foi de imensa ajuda no ataque que sofremos durante os exames. Você nem mesmo pertencia oficialmente a Comuna, mas ainda assim, lutou como se fosse um dos membros. A forma que você agiu para avisar seus companheiros do perigo, além de todo o esforço que fez para proteger eles, foi admirável. — senti sua voz embargar. — nem consigo descrever o orgulho que sinto de ter sido seu professor. É o melhor aluno que já tive.

 — Mais hã? — Áquila se intrometeu, mantinha os braços cruzados e o encarava no canto — Ele não é o seu primeiro aluno?

 — Silêncio, Áquila! — Tobias o repreendeu, eu ri baixinho. — De qualquer forma, Franz, não tinha como não aceitarmos você como membro da Comuna de Cartago depois de tudo. Mas no final das contas, a decisão é sua. Deseja entrar na nossa Comuna? 

Parecia uma resposta óbvia, principalmente depois de tudo o que escolhi passar por eles. Mas não, não era assim tão fácil. E não era só por medo da força dos barbarians depois de vê-la tão de perto, ou por ainda não ter manifestado meu poder.

Ia muito além.

— De todos os meus receios deste trabalho, eu nunca pensei que sentir o sangue de um companheiro nas mãos, no rosto, seria o mais assustador. Eu não sei se conseguiria passar por isso de novo. — abaixei o rosto — permita-me tomar minha decisão mais tarde.

Homens Também Sentem MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora