Trinta e Três

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O caminho de trem até a Pensilvânia manteve-se silencioso. Quero dizer, meus colegas e eu não trocávamos uma única palavra. Elizabeth seguia quieta — até aí nenhuma surpresa. Quanto a Martin, o loiro engomadinho de Alexandria, este deveria pensar que me entregar desprezo e nojo pelo olhar já seria o suficiente para abaixar minha autoestima. Bem, ele estava errado. Não fiquei nem um pouco preocupado com a forma que ele levantava aquele queixo audacioso, já que outras preocupações perturbavam minha cabeça.

Primeiro pensei em meus amigos. Lembrei de nossa despedida, de Piatã me abraçando e do aperto de mão do professor Tobias. Pensei no imperador e na missão. Sem minha habilidade de prever o futuro, temi por todos eles. Salieri iria nos atacar no navio e, só não fez isso porque antecipei seus movimentos. O que poderia impedi-lo agora?  

Isso me levou a refletir sobre meus poderes, sobre meu medo e passei o resto da viagem nestes devaneios. Haviam tantas coisas que alfinetavam-me a cabeça. Nesses três meses eu pensava somente nisso. Por que tenho medo do futuro? Eu entendo que muitas vezes não conseguimos explicar nossos medos, mas, de todas as coisas que pensei que poderia ativar minha luva de outono — medos que estremeço só de lembrar — porque meu temor do futuro foi o que se sobressaiu? Quais são os limites deste poder? Até quando poderia enxergar no futuro? E, principalmente, como posso domá-lo? Ainda que estivesse tendo algum progresso com o professor Tobias nos treinamentos, não é como se eu pudesse ativar esse poder com um estalar de dedos. Para os outros sempre soou tão simples, talvez eu seja o único com essa dificuldade.

Forcei um pouco e tentei ativar meu poder ali mesmo no trem. Sem sucesso. Eu já consegui o ativar em situações que não colocavam minha vida em risco, foi a primeira barreira que quebrei. Só que ali pude perceber melhor outra coisa; com o corpo calmo e os músculos relaxados, esse poder também não se ativava. Esta era a próxima barreira que precisava quebrar.

Depois disso meu olho acordou e vi que o trem não se movia mais. Chegamos a estação.

Era um dia sombrio e assustador. Odeio trovões! Eles me trazem o pior dos tipos de lembrança. Como depois do julgamento sórdido que me condenou. Ou durante aquela tarde na floresta da cidade destruída, sim, lembro-me quando o céu gritava em agonia. O senhor Mendes, o criado que o senhor imperador deixou que cuidasse de nós, conduziu-nos até o hotel. Ficamos lá o dia todo e dormimos atormentados por aqueles urros incessantes. Já no dia seguinte, deveríamos nos encontrar com o magnata Rutherfeller em sua mansão na costa da praia. Contudo, o senhor Mendes não permitiu que eu fosse. Tinha passado a noite anterior em claro, tremendo de medo como um cachorrinho assustado por causa daqueles rugidos infernais. Aí meu rosto estava num estado deplorável. “Você não vai vê-lo assim.” o senhor Mendes disse “Ninguém encontra com o senhor Rutherfeller assim. Seria inadmissível! Ainda mais representando nosso tão estimado imperador!” Ele me dispensou sem nenhuma pena e seguiu com os outros até a mansão.

Meu peito ficou cheio de amargura. Afinal, eu prometi ao imperador que daria todo meu empenho em cumprir com essa missão. Agora, como um fracassado, o que eu ia falar para ele? Seria uma vergonha, uma humilhação, quando nos encontrássemos. Me encarei no espelho. De fato, meu olho estava fundo, o rosto pálido como um doente e sem cor nos lábios. Pude notar até arranhões nas bochechas. Arranhões? Como raios consegui esses arranhões? Decidi tomar meu chapéu e dar uma caminhada na cidade. Talvez respirar ar puro subisse meu vigor.

Sentei num dos bancos de uma praça perto do hotel. Alguns passarinhos coloridos e diferentes chamavam fácil atenção. Eles voaram e com isso minha atenção voltou-se ao céu. Ainda estava nublado, mas não ouvia-se mais trovões. E entre toda aquela densidade azul e triste logo acima, notei uma pequena abertura que se parecia mais com a cabeça de um alfinete. Luz saía de lá, uma luz forte, resplandecente. Um arco-íris podia-se ver ao apertar bem a visão. Eu ri, pois lembrei-me de meu pai.

Homens Também Sentem MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora