O carmesim do sangue pode ser mais assustador do que se imagina. E naquele verão de 1876, vi o sangue de um amigo manchar meu rosto. O meu e o dele juntavam-se nas minhas mãos. Era quente, espesso e aterrorizante. O que me mantinha de pé naquela floresta era não pensar nisso — embora vez ou outra isso acabasse falhando. Eu estava ofegante e trêmulo. Cansado e com o corpo contundido. Mas eu tinha que continuar correndo, tinha que achá-los. Com isso, escutei um breve som, um burburinho que saiu como um chiado duma brisa, vindo dum horizonte coberto por galhos e folhas. Primeiro parei e suspirei aliviado, depois voltei a correr até a direção ao som. Encontrei Rui e Ária sentados numa pedra, cada um em seu silêncio. A calmaria foi quebrada ao me verem.
— Que diabos... — Rui hesitou em se aproximar. Eu já deveria imaginar que meu estado não era dos melhores mesmo.
— Franz! — Ária exclamou e correu até mim. — O quê aconteceu com você?
— Isso é o de menos. Temos que sair daqui agora. — a puxei pelo braço e voltei a me apressar, tomando o caminho no interior da floresta. Rui hesitou mais um pouco, mas acompanhou.
Tropecei em alguns galhos e caí em dois ou três buracos. Me levantei o quanto antes podia e voltei a me apressar.
— Temos que encontrar os outros. — disse.
— O quê está a acontecer? — escutei Rui a trás — De repente os barbarians que estávamos a lutar sumiram do nada.
— Sumiram? — ficou claro, os professores já notaram o que estava acontecendo. — estamos sendo atacados. — o respondi.
— Atacados? — Ária arregalou os olhos.
— O inspetor Eliade... Por algum motivo ele nos atacou. Ele matou Nestor e quase me matou também. Não sei o que tá acontecendo, mas desconfio que tenha a ver com algum barbarian, um barbarian de verdade, não igual o que lutamos. — olhei de canto para os dois. Pareciam aterrorizados, mais até do que eu, que acabei de ver uma espada sendo cravada no pescoço de um cara. Me perguntei ali se era eu quem era o "esquisito".
Corremos por mais alguns quilômetros pela floresta, mas não encontramos ninguém. Aos poucos minhas feridas já começavam a cobrar seu preço. Com a adrenalina diminuindo, a dor foi surgindo cada vez mais aguda. O cansaço segurou meus pés, e minha cabeça começou a se embriagar numa tontura gradual. Parei um pouco para ofegar e tentar manter o equilíbrio. De nada adiantaria se desmaiasse ali.
Escutei um murmúrio vindo de Ária.
— Seria melhor nos escondermos até os professores lidarem com isso.
— Não. — disse incisivamente — Seria arriscado.
— Mais arriscado do que ficar a trafegar por aí, quase como se estivéssemos a procurar o inimigo? — Rui agora parecia irritado. Confesso que não tinha mais paciência para aturar sua personalidade. — Vamos nos esconder. — ordenou.
— Por que está falando nesse tom, imbecil? Fique a vontade se quiser se esconder, covarde. — ele fechou o rosto. — eu não consegui proteger Nestor, mas consegui proteger vocês e vou proteger os outros.
— Eu vou acabar morrendo também, se for com você. — ele resmungou.
— Muito bem então, como eu já disse, fique aí, se esconda e sobreviva como um covarde. Ou, se quiser, pode vir comigo e morrer como um guerreiro. — lembrei de meu pai. Ele era do tipo que levaria uma bala por seus companheiros. Eu não era como ele, talvez estivesse fazendo aquilo só pela frustração de não ter conseguido salvar Nestor. De qualquer forma, tomei minha decisão. Numa guerra, a vitória só vem através de decisões, não hesitações. Olhei para Ária. Suspirei e abaixei meu tom. — Desculpa, é direito seu se não quiser vir comigo.
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Homens Também Sentem Medo
Paranormal《《《 Livro Concluído 》》》 Não há problema homens sentirem medo. E Franz descobriu o porquê. Além do fato de ser filho de um herói de guerra, o herdeiro da casa milenar Silvertoch precisava ser forte, um homem de coragem, de confiança, um homem que nã...