Trinta e Oito

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Lembro de certa vez mencionar sobre o inverno de 1875 ter mudado completamente minha vida. Bem, algumas vezes penso que talvez seja um grande eufemismo dizer isso, pelo menos quando minha mente vaga por maio de 1876. Logo mais eu completaria um ano inteiro em Cartago. Um ano desde que perdi minhas terras. Um ano desde que descobri que nada nesse mundo fazia sentido, um ano desde que Nestor e Ária foram assassinados por Salieri no exame de admissão. Um ano carregando vingança.

Seja lá quem Salieri fosse, eu não poderia esquecer esse ano inteiro que se passou. Tudo bem, eu sabia que era só um moleque de catorze anos pretensioso demais. Só que ainda assim... Esse ano estava entalado na minha garganta e eu não poderia deixar passar, por mais simplório que fosse meu poder e minha forma de lutar em comparação a dele. Era um carrapato num cavalo, eu até podia mordê-lo, mas com uma simples pisada eu encontraria meu fim.

E lá estava Salieri.

Ali, o vi próximo ao Agricultural Hall. As pessoas em volta olhavam a cena curiosas, enxeridas demais para o meu gosto. Talvez parecesse bobagem dois garotos, ou melhor, dois adolescentes discutindo, afinal eram só adolescentes e adolescentes são assim – quem dera fosse. A expressão de Piatã para Áquila era aterradora. Para ser sincero, não consegui escutar o que conversavam, mas até já conseguia imaginar. De qualquer forma, me concentrei em costurar o pequeno aglomerado de pessoas para chegar até os dois.

— Piatã! — bradei, ele pareceu levar um estalo e parou o que quer que estivesse falando para voltar a atenção a mim. Ele suspirou o meu nome, cheio de peso.  

— Eu não poderia ficar só olhando, Franz. Não depois do que ele me fez!

— O que ele tá dizendo, Franz?! — desta vez a voz era de Áquila, uma voz amedrontada.

— Não finja que não escutou. Sua mentira acaba agora, Salieri.  

Lembro de esconder o rosto com a mão. Piatã fez literalmente tudo o que pedimos para ele não fazer – o que já deveria ser esperado, sabendo quem ele era.

— Não seja idiota, eu não sou Salieri. — Áquila se virou a ele — Da onde tirou isso? Franz, consegue dar alguma lucidez logo pra ele? — fiquei em silêncio, Áquila, levemente assustado. — Franz? — chamou mais uma vez. Eu sei que deveria agir com mais frieza, pensar com mais lógica, mas as peças naquele tabuleiro não estavam exatamente ao meu favor. O primeiro problema de tudo não era o fato de eu estar a poucos metros de Salieri, mas sim o enxame de curiosos que estavam. Nenhum deles se salvaria se Salieri desistisse de tentar esconder sua identidade e resolvesse atacar. Poderia dizer sem medo que até aquele momento estávamos com sorte. Já o segundo problema era:

— Onde está o imperador, Áquila? — o professor Tobias havia ido atrás do imperador, mas tudo estaria perdido se Pedro estivesse no Agricultural Hall.

Áquila primeiro estranhou a pergunta, compreensível, ela não parecia fazer muito sentido com o assunto mesmo. Mas depois acho que ele percebeu. Afinal, dei a entender que realmente achávamos que ele era o Salieri, por isso a pressa em saber onde estava o imperador, para mantê-lo o mais longe possível dele.

— Que história idiota é essa, Franz?

— Só responda. Onde ele está, Áquila?

Ele não me respondeu. Agora parecia irado. O vi levando suas pupilas umas duas vezes em direção ao Agricultural Hall, o que fez sentido pensar que o senhor Pedro deveria estar por lá.

— Isso tudo é patético. — ele murmurou e balançou a cabeça, depois saiu andando em direção a floresta sem se importar com nada.

— Onde pensa que vai?! — Piatã bradou e eu os segui.

Homens Também Sentem MedoOnde histórias criam vida. Descubra agora