35 - SETEMBRO DE 1865 - parte 3

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– Tatsuo – chamei-o – Onde está Saito? Você o viu?

– Sim, após a reunião ele se trancou em seu quarto e não colocou a cabeça para fora desde então. Deve estar se preparando para irmos, mas estou preocupado. Ele parecia extremamente pálido da última vez que o vi.

– Eu vou ver como ele está, então – Tatsuo e eu nos despedimos rapidamente e eu fiz meu caminho em direção ao quarto de Saito.

– Saito? Você está aí? – chamei na porta, mas não obtive resposta.

Eu estava prestes a me virar, presumindo que ele já havia saído de lá quando escutei um gemido alto de dor.

– Saito! Estou entrando! – abri a porta desesperada e corri para dentro.

Ele estava curvado em cima de sua mesa no fundo da sala. O suor escorria pelo seu rosto e eu podia ouvir seus dentes sendo forçados horrivelmente enquanto ele os rangia.

– Saito!

– Eu vou ficar bem. Apenas saia daqui.

– Mas... – comecei, mas ele me cortou.

– Isso vai passar, a qualquer momento. Não se preocupe.

Ele passou os braços em volta dos ombros e apertou até que os nós dos dedos ficaram brancos. Sua respiração estava ofegante e ele estremeceu como se estivesse com febre. Era personalidade do Saito se recusar a mostrar qualquer dor, ou mesmo qualquer emoção e quando o fazia, era sempre o mínimo possível. Apesar de já tê-lo visto com dor, ainda era insuportável assistir. A dor devia ser inimaginável. Novamente estava com a mesma dúvida, eu havia entregado as capsulas para Keiko e mesmo se eu desse uma, seria uma solução temporária. Novamente me peguei pensando, ele não iria querer que eu desse meu sangue a ele, mas se não o fizesse, ele seguiria com dor. O que eu deveria fazer? Puxei novamente a pequena faca que eu havia mantido comigo desde aquela tarde, eu não aguentava vê-lo sofrer.

– Não... Não faz isso – ele disse ainda se contorcendo de dor.

Sem dar atenção ao que ele falava, deslizei a faca no mesmo lugar que da primeira vez e senti a dor do corte, mas fiz o possível para não demonstrar isso, uma faixa de sangue espesso se formou. Dessa vez eu não falei nada, apenas estendi o braço.

– Eu não posso fazer isso – ele falou com a voz fraca.

Suas roupas estavam encharcadas de suor e ele tremia muito. Eu não recuei. Queria fazer algo por ele, eu simplesmente não conseguia vê-lo sofrer nem mais um pouco.

– Não se preocupe comigo – falei quase em um sussurro – Por favor...

Embora ele tentasse desesperadamente não o fazer, seus olhos foram atraídos para o corte, para o sangue vermelho espesso que lentamente escorria para a palma da minha mão. Seus dentes cerraram e suas mãos flexionaram, mas ele não conseguiu resistir. Passaram-se apenas alguns segundos antes de ele ceder. Então, ele pegou minha mão e bebeu o sangue, logo ele lambeu o caminho que o sangue havia percorrido até onde estava o corte. Sentia a suave carícia de sua língua enquanto percorria o comprimento da ferida, e então senti a pressão suave de seus dentes e lábios enquanto ele puxava mais algumas gotas para a sua boca. Sua respiração já havia começado a se acalmar. Através de sua mão em meu pulso, pude sentir seu tremor diminuindo também. Alguns momentos depois, sua mão escorregou para baixo e vi que corte já estava curado.

– Me desculpa pelo atrevimento – falei baixo, mas ele não levantou a cabeça para olhar para mim.

– Sinto muito – ele falou e eu não soube se ele realmente estava falando comigo.

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