34 - SETEMBRO DE 1865 - parte 2

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Permiti que as lágrimas caíssem enquanto Selina me puxava de volta para o salão. Ninguém se aproximava, ninguém mais se mexia, era como se até o ato de respirar fosse contido para evitar qualquer ruído.

Eu não tinha raiva de nada, nem mesmo me culpava, essa decisão era algo que eventualmente eu teria de fazer.

Levantei a cabeça, ainda com os olhos fechados e senti uma leve brisa vindo da porta agora rompida pela luta, respirei fundo antes de abrir os olhos.

Abri o papel com cuidado, um papel bastante resistente muito utilizado entre as divindades, havia uma parte com uma mancha do sangue agora seco de Lucca. Olhei sua caligrafia tão conhecida já para mim, uma carta escrita com tinta azul de uma caneta qualquer.

Querida Ambar,

Se você está lendo esta carta, significa que você fez sua escolha e eu sei bem qual foi, afinal, não podemos negar aquilo que somos. Durante muitos anos temi esse dia, mas agora que chegou me sinto leve, pois sei que você finalmente cresceu e encontrou seu lugar, estará finalmente com os seus e nunca mais se sentirá sozinha.

Você se lembra de quando fugimos juntos pela primeira vez para a Terra? Me lembro da sua fascinação pelos humanos e seus costumes, eu e o Ari tivemos que literalmente te arrastar novamente para casa.

Não importa se somos irmãos de sangue ou não, você sempre será a minha pirralha que deixa a alegria transparecer no olhar após ir a uma roda gigante ou olhar os shows de luzes no Natal. Eu te amo minha pequena irmã que sempre dá dor de cabeça.

Junto a carta estou deixando um chip com um pequeno projetor com as imagens da nossa última fuga para o Japão, sei que encontrará o que procura através dessas imagens. Infelizmente não posso te ajudar mais que isso. Agora que você sabe o que quer, agarre com toda a sua força. E Ambar, sei que nem tudo é como queremos, mas por favor, nunca perca esse brilho no olhar que tanto me fascina.

Ah! Manda um recado para Nyx por mim?

Nyx, você não é um monstro, espero que se lembre disso sempre. Você faz parte da Ambar e como a Ambar, eu também te amo. Use o colar do vazio, ele sem dúvidas te ajudará, cuide da Ambar por mim.

Com amor, Lucca.

Meus olhos estavam embaçados, mas me sentia mais leve. Peguei o chip e o mini projetor que estavam grudados no fim da carta com cuidado, encaixei o pequeno chip no aparelho e em seguida uma grande imagem com o som da minha risada cobria o salão. Na imagem eu estava dando pulinhos de felicidade em uma cidade completamente iluminada apesar de estar de noite. Estávamos em Kyoto do século XXI.

Yukio me olhou com curiosidade e perguntou ao ver um sorriso largo se desenhando no meu rosto ainda banhado pelas lágrimas.

– Não sei como vocês fazem essas magias – ele falou baixo – Acho que não é hora de perguntar isso. Mas, são vocês mesmo?

Ele parecia temer me fazer chorar novamente, mas acho que fez a pergunta que todos queriam fazer.

– Isso é uma gravação, são feitas para guardar boas recordações – falei sem tirar o olho da projeção – Estávamos no Japão do Século XXI, no planeta Terra.

De repente, notei que todos olhavam hipnotizados o vídeo. Logo apareceu um vídeo onde eu fazia gracinha e nós dois posávamos para uma foto no castelo de Kofu, primeiro na parte da frente e logo uma fotografia no mirante do Portal Yamanote, com uma vista esplêndida para o monte Fuji. Chegava a ser vergonhoso, pois estávamos com fantasias dos samurais e brincávamos com espadas de brinquedo. Senti meu rosto queimar, mas parecia que ninguém mais se importava com isso.

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