Capitulo 35

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Fomos despertadas não muito tempo depois pelo choro estridente do bebê ao qual chamávamos de filho.

Vi Carina se mover meio desorientada, se sentando na cama e piscando de maneira confusa, então me levantei, apesar de sonolenta, fui até o bercinho, peguei o chorão e o entreguei a ela.

Poxa, coisinha número 2, tão poucas horas de vida e já chorou em três ocasiões, contando com a hora do nascimento.

Carina ofereceu o seio ao bebê e ele o abocanhou com gana. Me lembrei imediatamente da enfermeira dizendo que éramos sortudas por ele pegar logo o peito e suspirei aliviada observando Carina em seu trabalho e momento tão íntimo com o bebê. Ela se recostou na cama e fechou os olhos por uns segundos.

-Está tudo bem? - perguntei.

-Sim, eu só fiquei um pouco zonza por ter levantado rápido eu acho - falou.

Me sentei na beirada de sua cama e observei a coisinha minúscula mamando com certa estranheza.

Tipo, aquela pequena bolinha cabeluda dependia de nós agora. Isso é assustador!

-Depois que... hm... eu pari - comecei, ainda sem tirar os olhos dele - eu tentei não olhar para Cake, mas não consegui. Ela estava no bercinho, enrolada nos panos do hospital e só lembro de ver sua cabecinha com quase nada de cabelos clarinhos. Por um longo tempo me fiz esquecer dessa imagem, mas hoje, quando eles entregaram nosso filho em seus braços, me perguntei como teria sido se eu tivesse pegado ela no colo também.

Sentia o olhar de Carina me penetrando, mas não me movi para olha-la de volta.

-Se arrependeu? - perguntou com suavidade.

Neguei com a cabeça.

-Eu não tinha o que era necessário para tê-la naquela época - falei - só senti meio que uma saudade de algo que não vivi. Um estranhamento por estar de novo numa sala de parto, olhar e não ser aquela coisinha miudinha e quase careca. Dá para entender?

-Na verdade sim - falou, então buscou minha mão e colocou sobre o pequeno Bear, cuja própria mãozinha que estava sobre o seio de Carina escorregou e apertou a minha - é uma coisa diferente agora, para todos nós.

Ficamos em silêncio por um longo tempo, ambas observando a coisinha, até que sua hora da refeição passou e Carina o ajeitou, e continuamos observando, até que ele abriu os olhos novamente.

-Céus, Carina... como ele pode ter exatamente os seus olhos?

Eu estava admirada. Era tudo o que eu havia pedido a seja lá que divindade fosse que determinasse as características dos bebês.

Carina riu baixinho.

-Só temos filhos de olhos bonitos - brinquei e ela riu novamente.

Bear franziu seu cenho peludo, onde haviam sinais de uma sobrancelha pretinha.

-Cadê a bolsa dele? - perguntou Carina - pegue o gorro, ele deve estar com frio.

Procurei a bolsa e tirei de lá o gorro de panda, voltando até Carina e a ajudando a colocar o gorro no bebê, escondendo seus cabelos lisos.

-Nem está tão frio, amor. Não é exagero?

-Não, amor. Para ele, que estava em um lugar quentinho, está frio.

-Ah...

Houve uma batida na porta e em seguida entraram no quarto a Doutora Brooke e uma médica que estava na sala do parto, mas eu não sabia o nome.

-Bom dia, mamães. Como estão? - perguntou a obstetra.

-Estamos bem - respondeu Carina com um sorriso.

-Bom, Carina, Maya, esta é a Doutora Paes, a pediatra que assistiu seu parto e examinou o bebê de vocês assim que nasceu - ela apresentou.

-E está tudo bem com ele, não está? - perguntei, estranhando a visita.

A Doutora Paes sorriu antes de responder:

-O filho de vocês está na mais perfeita saúde. Fizemos os primeiros exames dele e ele é um bebê muito saudável. Quero que marquem a primeira consulta dele para daqui a sete dias.

-Isso é normal? - perguntei.

Carina riu.

-É sim, Maya.

-Ah, tudo bem... - murmurei.

-Já você, Carina, como realmente se sente? Com fraqueza? Cansada? Fadigada?

-Sim, mas isso é normal, não? Não dormi nada essa noite e ainda fiz todo esse esforço... Mas... eu não entendi direito por que apaguei e só acordei aqui.

-Houve uma complicação no parto, Carina - explicou a obstetra - quando o bebê saiu seu útero não se contraiu imediatamente e você teve uma hemorragia, mas que foi controlada rapidamente por nossa equipe e com a reposição de sangue que recebeu não deve lhe causar nenhum outro problema. No entanto, vou te indicar que invista em alimentos ricos em ferro para prevenir uma anemia e vamos acompanhar seu quadro ao longo do tempo, tudo bem?

Carina assentiu, o cenho franzido.

-Sabe nos dizer desde que horas entrou em trabalho de parto? - perguntou a Doutora Brooke.

-Hm... eu comecei a sentir dor pela manhã de ontem e por volta das cinco ou seis horas da tarde ela se intensificou bastante e as contrações vieram com maior frequência. Mas isso tem alguma coisa a ver? Porque me baseei em Maya, que ficou em trabalho de parto por umas vinte horas, e eu não queria vir ao hospital cedo demais.

Putz, Carina... com certeza devia ter me alertado mais cedo!

-De fato ter passado mais de doze horas em trabalho de parto pode ter influenciado, mas não podemos dizer com certeza que foi isso, principalmente porque geralmente o trabalho de parto é mais demorado em mães de primeira viagem. Bom, a previsão é que vocês fiquem aqui por dois dias e depois podem ir para casa, mas iremos monitora-los e faremos exames se necessário. Não se preocupe, com as devidas orientações vocês ficarão bem.

-Tudo bem - disse Carina.

As médicas se despediram e logo depois Bear começou a choramingar.

-Acho que ele gosta de ouvir coisas - comentou Carina - sempre fica quieto quando estamos conversando.

-É, e ele se calou quando cantei para ele - lembrei - amor, qual foi a primeira música que Cake ouviu?

-Hm... - ela pensou por um momento - um trecho de I'll Be There For You, do Bon Jovi. O refrão, mais especificamente falando. Pode parecer bobagem, mas acho que lhe passou segurança, na época.

Revirei os olhos.

-Tão bonito e simbólico. É mesmo a sua cara fazer isso - soltei um risinho anasalado - mas você deveria manter a tradição...

-Você já cantou a primeira música dele - me lembrou.

-Mas você não, então ainda está valendo.

Carina  sorriu e começou a ninar a bolinha rosa cabeluda que piscava seus olhinhos  em um esforço de ver a mãe, que cantarolou baixinho, quase como se contasse um segredo:

-I'll be there for you. These five words I swear to you. When you breathe I want to be the air for you. I'll be there for you. I'd live and I'd die for you. I'd steal the sun from the sky for you. Words can't say what love can do. I'll be there for you...

E conforme Carina ia pronunciando as palavras, nosso Teddy Bear foi perdendo a força de vontade de se manter acordado, até que dormiu, restando a nós duas velarmos seus sonhos em nosso próprio descanso.

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