Capítulo 24 - Apenas crianças

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Narrado por Evan.

Levantei por volta das 7h no domingo, com a cabeça pesada do tanto que bebi, e o coração dolorido de todas as coisas que falei para Elizabeth, que sabia que não deveria ter dito.

Na noite anterior, os meus amigos estavam falando absurdos dela, e na verdade, tudo fazia sentido. Quando a chamaram de louca, eu percebi que ela realmente era louca. Só não precisava ter ido tirar isso a limpo. Seria mais fácil se a tivesse deixado se foder sozinha com o que quer que ela quisesse usar.

Meu estômago estava embrulhado, mas não era pela ressaca, era pela imagem nítida de Elizabeth em prantos na minha frente, implorando por perdão, depois de me encher de tapas no rosto.

Sabia que tinha a magoado sem chance de conserto agora. Mas talvez, fosse melhor assim. Por alguma razão, era impossível que eu a fizesse bem. Eu a machucava diariamente até mesmo quando queria o melhor pra nós dois. Talvez eu nunca devesse ter voltado.

E o pior, era que sinceramente, eu não aguentava mais a sua instabilidade.

A Elizabeth que eu me lembrava, realmente não existia mais. E talvez, ela nunca tivesse existido, era apenas uma fantasia minha, afogada pela culpa de ter magoado a garota que eu me apaixonei, de ter ido embora, de tê-la ferido, e sabendo que apesar de tudo, apesar do tempo, eu ainda amaria por tempo indeterminado.

Mas não podíamos estar juntos.

Tinha uma sensação ruim no peito. Fiquei com medo que ela fizesse alguma coisa. Ainda mais, quando levantei e vi que o uber que eu havia pedido, me enviou mensagem ainda de madrugada, dizendo que ninguém apareceu, cancelou a corrida e me cobrou o valor da mesma. Aí, meu peito ficou muito aflito.

Liguei pra ela, mas ninguém atendeu. Liguei umas 20 vezes, e nada. A lotei de mensagens, mas vi que ela nem recebia.

Fiquei surtando por uma hora inteira, sem saber o que fazer, e quando ia ir até sua casa, já amarrando os tênis, meu telefone tocou, e eu atendi depressa.

Gelei até a alma quando escutei a voz do outro lado. Era do hospital.

Saí às pressas, recebendo, no caminho, mensagem da mãe de Elizabeth, me pedindo se eu estava com ela no hospital. Mas, minhas mãos tremiam incessantemente, e eu dirigi desesperado pela cidade, acabando por me esquecer de responder.

Entrei no hospital correndo, e quando me encaminhei para a sala onde ela estava, me deparei com um grupo de enfermeiros enfiando um tubo enorme pelo nariz de Elizabeth. Estavam fazendo uma limpeza estomacal nela.

Ali, eu fiquei extremamente enjoado, agoniado, angustiado, e com meu peito dolorido. Como se estivesse de luto.

Tive que me sentar, porque minha pressão deve ter caído, e junto com ela, eu desmoronei em lágrimas na cadeira do hospital, chorando nas minhas mãos, me sentindo a pior pessoa do mundo, um homem fraco, alguém egoísta demais por ter dito todas aquelas coisas para ela sem ter um pingo de noção que pelo tanto que ela era sensível emocionalmente, podia facilmente fazer algo contra a própria vida.

Quando me acalmei, um médico me disse que era necessário aguardar o hemograma para saber o que ela havia usado, mas que, com certeza, tinha sido muita coisa, porque por muito pouco, ela não foi levada pela overdose que teve.

Em função da overdose ela ficaria uns três dias meio fora de órbita. Mas que, por ter sido socorrida a tempo, não corria risco de vida, e não houve nenhum dano cerebral. Mas por muito pouco. Alguns minutos a mais e ela teria morrido no chão da boate em que estava.

Era uma sensação muito ruim, olhá-la com os aparelhos, soro na veia, os olhos fechados, olheiras enormes e pele pálida. Era uma sensação de impotência, porque era sensação de saber que por muito pouco, eu podia nem estar vendo-a ali. Ela poderia estar morta.

Peguei na sua mão depois de uma meia hora parado encarando-a. Sua mão estava fria, assim como seu corpo todo.

— Não era pra ter sido assim. — disse, sabendo que ela não podia ouvir. — Eu queria poder voltar no tempo e nunca ter te conhecido, assim não estaríamos aqui agora.

Era impossível não me culpar, quando eu sabia que era o único que conseguia derrubá-la assim. Queria ser um estranho na sua vida, alguém que ela viu aleatoriamente em algum lugar. Tudo, menos a pessoa que a destruía só de respirar ao seu lado.

Tinha alguma coisa entre nós. Talvez nos amássemos mais do que sabíamos aguentar. Talvez nós dois não soubéssemos amar, e por isso eu vivia amarrando-a em um tronco e ateando fogo, na tentativa de mostrá-la o brilho dos fogos de artifício.

Não importava o quanto eu a amasse, parecia que nunca seria o suficiente. Se a amasse demais, ela explodia, se a amasse de menos, ela desmoronava. Se a amava, a sufocava de alguma forma, e se não a amava, a magoava também.

Parecia não existir meio termo, equilíbrio ou balanço. Ou eu estava ao seu lado e tudo estourava, ou ia embora e a deixava se desfazer e reconstruir sozinha.

E eu não sabia nem o que fazer. Porque eu queria estar com ela. Mas também, não queria mais.

No dia seguinte, Victoria foi ao hospital, me consolou enquanto me lavei de chorar mais uma vez, e ela me disse que eu não devia me culpar, as coisas perderam o controle, e tudo bem. O que importava, era que ela estava bem.

Mas não estava nada bem para mim. A pessoa que eu amava havia tido uma overdose depois de ter escutado coisas horríveis de mim. Queria que fosse eu ao invés dela.

— Você se lembra de quando a gente se conheceu? — indaguei, sabendo que ela não me escutava. — Nós éramos jovens demais para sabermos que um dia seríamos tão especiais um para o outro. Você era amiga da minha irmã, e ficava me olhando andar de skate na pracinha... Quando começamos a namorar, anos depois, você me disse que só era amiga dela pra se aproximar de mim.

Sorri sozinho, segurando sua mão. — Nós éramos só crianças. Em um tempo que não vai voltar. E eu sempre senti algo além do comum por você.

Beijei sua pele pálida enquanto ainda derramava algumas lágrimas. — O ano novo, na praia... Era verdade. Você era tudo o que eu queria. E ainda é. — suspirei. — Mas acho que não tem mais nada pra reconstruir entre nós. Eu tentei mais de uma vez, e eu sempre acabo te machucando. E você não sabe o quanto me dói te ver chorar... É com certeza uma das coisas que eu mais odeio nessa vida.

Sequei as lágrimas depressa. — E saber que eu sou o culpado pelas lágrimas, machuca ainda mais.

— Eu sinto muito por tudo isso, Liz. Você sempre vai ser minha garota... Mas eu não posso mais ficar perto de você, não aguento mais te machucar, não aguento mais nós dois.

E algumas coisas, na vida, ninguém realmente te conta. Ninguém te ensina a dizer adeus, a se despedir, a ir embora. Ninguém te fala que amor vai além de amar, e que só o amor, não é suficiente. Nunca é.

Queria que pudéssemos voltar ao tempo em que éramos apenas crianças. E quando tudo podia ser diferente. Mas já somos adultos, e a vida adulta é sobre decisões dolorosas.

E ir embora, mais uma vez, era a decisão mais dolorosa que eu ia tomar.

🎼A SINFONIA DO FIM🎼 Evan PetersOnde histórias criam vida. Descubra agora