Abri os olhos com certa dificuldade, e demorei um tempo até me dar por conta de que estava num hospital.
Olhei ao redor, vendo a agulha na minha veia, o soro, a sonda, o tubo de oxigênio e o medidor de frequência cardíaca, e tive a certeza de que havia cruzado o limite.
Respirei fundo, sentindo meus pulmões fracos, e meu corpo pesado. Virei para o lado, e vi Evan sentado na poltrona, coberto com seu casaco, a cabeça inclinada no encosto, dormindo.
Haviam enormes olheiras abaixo dos seus olhos, revelando que ele estivera por ali me acompanhando.
Olhei para o teto e fiquei ali, olhando o nada, pensando em como eu consegui estragar feio as coisas, de novo. Fiquei estática, até o sol bater na janela e refletir nos olhos de Evan, fazendo-o despertar. Foi quando fingi que estava dormindo. Porém, no silêncio em que passei encarando o teto branco, acabei chorando sem forças.
As lágrimas tombando pelo meu rosto e pousando no travesseiro, denunciaram que eu estava acordada, bem como meus batimentos cardíacos que aumentaram.
Senti a mão de Evan tocar meu braço, trilhando pela minha pele e arrepiando-a com seu toque.
Abri os olhos e o olhei, vendo sua expressão pesada, a densidade dentro do seu olhar, o vazio presente pela mistura de roxo e vermelho nas olheiras abaixo dos seus olhos dizia que ele andou chorando. E meu peito doeu de saber que eu era a ladra de suas lágrimas.
Senti meus olhos escorrerem, ainda que eu permanecesse em silêncio e sem expressão, assim como ele, era possível sentir o tanto que doía para nós dois. O tanto que a situação era muito mais pesada do que parecia.
Ele comprimiu os lábios e respirou bem fundo.
— Vou avisar o médico que você acordou. — foi o que ele disse, apenas.
Depois de ser examinada, o médico me informou que eu teria de fazer alguns exames para verificar se não houveram sequelas da overdose. E durante os exames, Evan me avisou que teria de ir trabalhar mas voltava ao fim do dia.
O dia foi difícil, estava difícil até de caminhar. Mas, mais difícil ainda, era saber que em algum momento eu e Evan teríamos que conversar sobre tudo isso, e a conversa seria o fim. Oficialmente.
Acho que eu conseguia aguentar minha cabeça me afogando o tempo todo, a autossabotagem, ser minha maior inimiga. Conseguia aguentar uma overdose, o processo pós overdose que era simplesmente agonizante, conseguia suportar uma doença, o estresse diário da rotina monótona da vida adulta... Conseguia aguentar diversos tipos de dor, mas ver Evan ir embora sempre seria um soco no estômago que me acertava em cheio.
Passei a tarde pensando. Sabia que tinha passado dos limites, que tinha estragado tudo. Sabia que as coisas saíram do controle, e sabia que tudo era culpa minha.
Eu e essa mania de acreditar que a vida pode ser bonita sem eu ter que estar tomando remédio e me tratando. Eu e minha tendência a negar com todas as minhas forças minhas condições mentais, e fingir que era uma pessoa normal.
E não era exatamente sobre Evan, no fim. Acho que eu não sabia lidar com o fato de que o amava mais do que amava a mim mesma. Não sabia lidar só com o fato de que eu podia amar. Era como se eu não soubesse amar, e sempre que eu tentava, estragava tudo, porque repetia as mesmas coisas, os mesmos pensamentos, o mesmo ciclo.
A parada abrupta de todos os remédios sempre vinha feito um chicote. O tal do efeito reboot, do corpo simplesmente não recebendo mais as substâncias que mantinham a cabeça um pouco mais distante do desequilíbrio total, sempre me atacava com força.
Mas quem decidiu parar de me medicar, fui eu mesma. Era minha culpa, e eu sabia disso.
O olhar de Evan pela manhã... Não saía da minha cabeça. Era o limite, o fim da linha, eu só podia aceitar, e voltar a me tratar, para ao menos seguir minha vida.
Foi bom enquanto durou, foi incrível, até eu estragar tudo. Mas essa era minha tendência, a destruir tudo sem querer. Sem motivo nenhum.
Mais para o fim da tarde, o médico veio até meu leito, onde eu estava sentada, mexendo meus pés que não paravam de formigar.
— Senhorita Elizabeth. — ele sorriu, sentando-se na poltrona na frente da maca. — Quero conversar um pouco com você.
— Vou morrer? — indaguei brincando, fazendo-o ir.
— Não vai. Mas você precisa se cuidar um pouco mais. — ele comprimiu os lábios. — Tinha muita coisa no seu sangue... Álcool, MD, THC, ecstasy... Até cocaína...
Suspirei, nem me lembrando de usar tudo aquilo.
— Foi por muito pouco que essa overdose não te levou, menina. — ele disse, cruzando as pernas. — Muito pouco mesmo. Questão de minutos.
— É. — suspirei. — Imaginei.
— Bom... Olhei na sua ficha médica e verifiquei o seu diagnóstico de bordeline e bipolaridade. — ele disse. — Você faz tratamento contínuo há alguns anos. Está seguindo ainda com o tratamento?
— Dei uma pausa indevida.
— E, Elizabeth, você é usuária de drogas? Usa regularmente?
— Uso às vezes nas festas. Mas dessa vez em específico, usei mais coisas e... Enfim. Não estava muito bem. — suspirei. — Acho que eu surtei. Parei com os medicamentos e... Acabei aqui, no final.
— Bom... Os medicamentos que você tomava são muito fortes, e você vai ter que mudar o tratamento. Posso te encaminhar para um psiquiatra, ou para o seu psiquiatra, o que preferir.
— Por que mudar o tratamento? — perguntei.
— Então, Elizabeth... — ele pegou os papeis em mãos. — No resultado do seu hemograma e exame de urina, identificamos algo além das drogas.
Pronto, estou doente, terminal, vou morrer...
— Não quis dar a notícia para o rapaz que estava lhe acompanhando, porque valorizamos e respeitamos a privacidade dos pacientes. — ele disse, me entregando o papel.
Peguei o papel em mãos, sem entender direito o que procurar.
— Você está grávida, Elizabeth. — ele disse, me fazendo olhá-lo com um susto repentino que gelou toda a minha espinha e parou meu coração por alguns segundos. — Seis semanas.
— Um mês e meio? — indaguei, assustada. — E todo esse tempo que eu estava bebendo e fumando deliberadamente?
— Aparentemente, pelos exames que fizemos, o feto está bem. Não foi prejudicado. — explicou. — Mas, se continuar com seus hábitos... Presumo que esta gravidez seja de muito, muito risco.
— Eu não entendo. — disse. — Eu tomo anticoncepcional...
— Bom. — ele disse. — Nem todo método é 100% funcional.
— E não acredito que eu fui pega na estatística do 1%. — suspirei.
Assim que o médico saiu, fiquei olhando para o chão, sentada na ponta da maca.
A vida às vezes toma rumos extremamente estranhos, e eu não fazia ideia do que fazer dali em diante.
Ser mãe? Logo eu? Que mal conseguia manter minha casa em ordem, minha vida nos eixos... Logo eu? Que perdia o controle, quebrava coisas, estragava tudo o tempo todo... Logo eu?
Parecia impossível ser capaz de assumir a maternidade sendo quem eu era.
— Me desculpe por isso. — sussurrei, acariciando a barriga e sentindo meus olhos marejarem. — Me desculpe por te colocar no meu corpo tóxico.
Notas do autor:
Eitakkkkkkkkk babado
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🎼A SINFONIA DO FIM🎼 Evan Peters
RomanceElizabeth e Evan viveram um grande romance no passado. Romance este, cujo o término inspirou a primeira obra publicada da jovem escritora, "A Sinfonia do Fim". Anos após o lançamento, Evan descobre a existência deste livro, e o lendo, acaba dando de...