28. Capítulo XXVIII - Somente o vento

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CAPÍTULO XXVIII – SOMENTE O VENTO


Observar alguém morrer, mesmo que fosse ele, não era satisfatório, nem tão pouco prazeroso. Sakura observou a luz sair dos seus olhos, e o viu tombar para o lado, ainda em cima das suas pernas. A duquesa esperou um pouco, se preparando para o momento em que ele se levantaria e a atacaria.

Mas ele não se mexeu. O corpo não fez nenhum movimento, e a única coisa que ela conseguia ouvir era a sua própria respiração e o seu coração disparado. O cheiro de pólvora se misturou com o de sangue.

Sai não iria se levantar tão cedo.

Largando a arma, ela gemeu de dor.

Precisava parar o sangramento. Já tinha se machucado algumas vezes, e conviver com o medico mais próximo era quase que uma rotina.

Ela já tinha caído do cavalo e quebrado o braço, tinha caído do telhado e fraturado as pernas, uma vez se distraiu com o martelo e quebrou os dedos da mão, outra achou que era uma boa ideia carregar um tronco de madeira, mas era pesado demais e acabou caindo do seus pés. Na primeira vez que usou um dos sapatos altos, tropeçou e rolou pela escada. Já chegou até a quase perder a perna para um jacaré – qual ela não fazia ideia que estava no rio.

E como sempre aprontava sozinha, sempre precisava achar seus pais mesmo estando machucada.

Dessa vez, ela só tinha que achar o médico.

Ao se levantar, ela gritou.

Agora entendia a sua mãe. Definitivamente era uma garota terrível, e deixava seus pais malucos a maior parte do tempo. Com sorte, seus filhos não seriam assim.

Apoiando a mão boa na madeira, ela fechou os olhos e respirou fundo. Precisava parar o sangramento. Precisava chegar ao vilarejo. Quanto tempo levava em média? Uma hora de carruagem? Trinta minutos cavalgando?

Talvez não fosse uma boa ideia cavalgar, porém, o que mais ela poderia fazer? Quais eram suas opções?

Abrindo os olhos, ela olhou para a arma no chão. Sakura se forçou a pegá-la, gemendo de dor. O cocheiro ainda estava lá fora, e ela não sabia se ele era confiável.

Considerando que estava com o francês, provavelmente não era.

A duquesa enfiou a arma na cintura, sentindo sua visão rodar. Estava perdendo muito sangue, e muito rápido. Se apoiando na parede, ela se arrastou pelos cômodos até a porta dos fundos.

A governanta sempre deixava panos por lá, pois ela sempre chegava suja do quintal. Batendo as mãos nas prateleiras, Sakura procurou por eles.

Sorrindo, ela segurou o primeiro na mão, e enfiou no ferimento.

Sua visão escureceu por alguns segundos, mas ela se forçou a ficar acordada. Sabia que se caísse, se dormisse, não acordaria mais.

As pessoas morrem mais pela falta de sangue do que pelo ferimento em si, seu pai havia lhe dito.

Pois bem, esse não seria o seu caso.

Talvez morresse por infecção, mas não por simplesmente dormir. Sakura ficaria acordada. Soltando no chão o pano já encharcado, ela estourou o primeiro botão da blusa, tentando ver a gravidade do ferimento.

Essa era a primeira vez que ela foi baleada.

E que fosse a última, pois doía como o inferno.

Não estava bonito, mas não estava tão ruim quanto ela sentia. Sakura pegou o segundo pano e enfiou por baixo da camisa, respirando fundo diversas vezes. Com o terceiro ela amarrou por fora, até gritar de novo e de novo.

Precisava ficar firme, ou não iria diminuir.

Ignorando como estava zonza, ela caminhou pela casa. Ao passar pela sala de estar, Sakura pegou a garrafa de uísque e virou o máximo que conseguiu, antes de jogar o restante no curativo que havia feito.

Se ela achava que queimava antes, era porque não tinha jogado álcool nele.

Sua voz já estava rouca de tanto gritar, e dessa vez o som saiu baixo. Respirando fundo, ela abriu os olhos e tirou a arma da cintura.

Não tinha mais bala, porém, ele não sabia disso.

Sakura endireitou a coluna o máximo que conseguiu, e então caminhou para fora da casa. Já tinha se passado da hora do almoço, mas o sol ainda brilhava bastante. Ela ficou cega por alguns segundos, mas não parou de andar. Conhecia a casa melhor do que ninguém, e com ou sem visão, podia se locomover.

Sua mão se levantou, e ela apontou a arma para o cocheiro. Não conseguia vê-lo nitidamente, e sua visão estava cheia de pontos pretos.

O homem quase caiu do banco em que estava, e levantou as mãos imediatamente. O fato dele não ter entrado para ajudar quando ouviu os tiros, só podia significar que ele estava do lado do francês.

E qualquer um que estivesse do lado dele, era seu inimigo.

Se tivesse bala, provavelmente teria atirado nele também.

- Você tem cinco segundos para soltar minha égua – ordenou, tentando não demonstrar a dor que sentia.

No mesmo instante o cara pulou para fora da carruagem e começou a tirar o nó. Ela estava sem a sela para montar, mas Sakura não tinha tempo para isso. Sua visão já tinha começado a escurecer nas laterais, e era só questão de tempo até desmaiar.

Assim que Princess foi solta, trotou em sua direção.

Sakura enfiou a arma na cintura de novo, e observou a grande égua na sua frente.

Fazendo um carinho na sua crina, ela se aproximou.

Cavalos eram criaturas inteligentes, ela nunca duvidou disso, mas quando o animal se abaixou, até ficar de joelhos, Sakura teve a certeza de que eram muito mais espertos do que demonstravam.

Assim que conseguiu montar, a égua se levantou. Sakura olhou uma última vez para o cocheiro, antes de guiar o animal para dentro da propriedade.

Conhecia um atalho, que talvez cortasse o tempo da viagem pela metade. Já fazia alguns anos que não passava por lá, e torcia para tudo estar igual.

Fechando os olhos, ela se inclinou na égua, usando o braço bom para se manter presa. A cada trote, seu ombro queimava ainda mais, até ela não sentir mais nada.

Isso definitivamente não devia ser bom.

- Você precisa ir mais rápido... – pediu, mantendo os olhos fechados.

Princess obedeceu no mesmo instante.

Sakura não sabia dizer se demorou segundos ou horas, mas o percurso foi horrível. Não conseguia manter os olhos abertos por muito tempo, e a cada vez que olhava, só conseguia ver o borrão verde e marrom das árvores. O barulho no seu ouvido foi diminuindo, e com ele o som dos cascos batendo contra a terra, dos pássaros cantando, do rio que corria ali perto, se foram junto com ele.

A única coisa que ela sentia era o vento do seu rosto. Gelado e refrescante, causando uma sensação boa.

Somente o vento, nada mais.

O Canalha PerfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora