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🖇 | Boa leitura!

Desde criança eu aprendi de maneira amarga que quando a dor é muito forte você acaba não prestando mais tanta atenção nela, seja física ou mental

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Desde criança eu aprendi de maneira amarga que quando a dor é muito forte você acaba não prestando mais tanta atenção nela, seja física ou mental. Talvez fosse uma maneira que a biologia humana arranjou para sobreviver diante de um grande caos, como se o nosso corpo não fosse capaz de digerir por si só. Sempre precisávamos de pausas, momentos em que na mente não havia nada, em que os pensamentos ficavam inertes, parados, quase inexistentes de tão silenciosos. E a gente nem sabia explicar sobre o que estava pensando ou se pensava de fato em alguma coisa.

Muito jovem eu aprendi o significado de sentir a alma saindo do corpo. Não era apenas sobre levar um susto, mas sobre não saber reagir, sobre não sentir mais como parte do ambiente enquanto o seu corpo vive tudo o que você não quer viver. É sobre morrer ainda respirando, sobre se desligar do material e ir a um lugar da sua mente onde não há nada. Nem alegria, nem tristeza ou qualquer vestígio de você mesmo. Às vezes estar vazio era melhor do que sentir.

O luto pelo Frederic trouxe essa sensação de volta e foi estranho notar que eu já a conhecia. Provavelmente eu estive de luto por mim mesma durante a maior parte da minha fatídica existência, pela criança que nunca me permitiram ser, pelos sonhos que jamais ousei sonhar e pelos sentimentos que morreram antes de nascerem em mim. Mortes de mim mesma incontáveis vezes tornaram o luto um velho e desagradável conhecido. A parte positiva era que eu já estava consideravelmente calejada sobre ele.

Não fui capaz de resolver nada sobre o funeral do Frederic. A equipe que cuidou de toda a sua vida política cuidou dos detalhes e a única coisa que eu notei foi a minha casa cheia de pessoas por alguma razão. Parentes de todos os cantos do país resolveram dar as caras e eu sabia que os irmãos, primos e tios do Frederic começariam a reivindicar parte da herança em breve antes mesmo que pudéssemos ler o testamento. Me irritava que eles pensassem nisso quando tudo o que eu tinha na cabeça soava como um deserto.

Minha casa nunca esteve tão cheia com a família, a equipe que organizava tudo por nós, os tantos funcionários e a polícia que não saiu de perto e agora estava em maior número. Preferi passar a maior parte do tempo em meu quarto, deitada na minha cama com as cortinas fechadas, deixando tudo num denso breu. Às vezes eu pegava o meu caderno de desenhos, abria uma folha em branco e tentava começar a rabiscar alguma coisa. Depois de cerca de dez minutos olhando para o lápis em minha mão eu simplesmente desistia e deixava aquilo de lado.

O Cole também estava por perto, mas eu lhe pedi espaço, algo que ele não relutou em respeitar. A única pessoa com quem eu passava horas conversando era o meu novo terapeuta que vinha me atender a domicílio. Ele era competente e eu notei a diferença entre ele e a psicóloga falsa logo na primeira sessão. Nunca imaginei que me sentindo daquela maneira eu conseguiria falar, mas eu consegui. Esclareci para mim mesma toda a questão do luto, entendi que não se tratava apenas da morte literal e que eu podia aguentar isso mais do que achei que aguentaria, só precisava dar o meu próprio jeito.

First Lady ˢᵖʳᵒᵘˢᵉʰᵃʳᵗOnde histórias criam vida. Descubra agora