A gente não tinha TV. Lembro que a copa de 70, a molecada assistiu na casa da dona Glória, que minha mãe, e acho que a vizinhança inteira, chamava carinhosamente de "Glorinha", na Caracaxá, perto de casa. Tinha e ainda tem um quintalzão, que faz divisa com dois sobrados. Lembro que no dia da final, os meninos mais velhos haviam amarrado uma fileira de rojões nessa parede da divisa, aguardando o final do jogo para meter fogo na artilharia. Lembro também que, nesse dia, a rua inteira estava lá, acompanhando o jogo. E quando acabou, foi aquela festa. Engraçado, me lembro muito vagamente do "pós-jogo", alguma comemoração, mas não lembro dos rojões explodindo. Lembro deles colocados nas paredes, acho até que lembro deles serem acendidos, mas não dos "finalmente". Talvez algum trauma por causa do barulho tenha apagado essa recordação da minha memória.
Outra coisa que a gente viu em uma tv de vizinho foi aquela coisa da Missão Apolo. Tenho uma lembrança da gente brincando na rua, e a vizinha chamar a molecada pra ver o homem na lua. Sinceramente, não sei se foi a Apolo 11, nem se era ao vivo. Mas lembro do evento em si. O fato de não termos TV em casa nunca se mostrou relevante. A gente tinha coisa mais importante pra fazer: chegar da escola e brincar na rua até a mãe chamar pra tomar banho. Lógico que a gente relutava ao máximo para cumprir essas duas tarefas. Banho quase ninguém gostava. A gente chegava em casa coberto de terra, e ainda questionava se era mesmo preciso tomar banho... E depois da janta, os mais velhos colocavam as cadeiras no quintal e chamavam os vizinhos pra conversar. Lembro uma vez que a gente resolveu fazer um típico churrasco português: Sardinhas na Brasa. O Ciso, meu irmão mais velho, montou a churrasqueira no quintal da frente de casa, e quando começamos a assar as sardinhas, vimos que o vizinho estava com a mesma idéia. Juntamos forças, e foi uma noite muito gostosa, com duas famílias confraternizando. Lembro que comi tanta sardinha na brasa que cheguei a passar mal no dia seguinte. Por esse motivo, peguei algum tipo de trauma, e até hoje não consigo comer nenhum tipo de peixe, frito, assado ou cozido.
Voltando à TV: quando meu pai comprou a nossa, eu já era "grandinho". Era uma "ABC – A voz de Ouro". Uma caixa de madeira, com um tubo enorme, e quatro pés, muito "anos 70", mesmo. Nessa TV, meu pai assistia – lembro – ao Jornal Nacional, quando chegava em casa. Minha mãe assistia às novelas, e eu lembro de algumas por causa da "trilha sonora". Sempre tive essa coisa de associar uma lembrança com alguma música. A gravadora Som Livre lançava o disco com os temas das novelas, com as músicas que faziam sucesso na época, e eu tenho ainda alguns deles guardados. Nós, crianças, podíamos acompanhar às sessões e seriados americanos: Rin-tin-tin, Terra de Gigantes, Túnel do Tempo e os desenhos mais legais: "Johny Quest" e "Corrida maluca". Tinha também o Topo Gigio, toda segunda-feira à noite, depois do "Jornal Nacional". Topo Gigio marcou uma geração: Uma marionete de um ratinho muito bem feita para a época, com um sotaque italiano, que contracenava com o Agildo Ribeiro. Virou febre, e todo mundo tinha um bonequinho do Topo Gigio. Vale lembrar que meu pai tinha problema de audição; ouvia muito mal. Então, o volume da TV era quase no máximo. Quem chegava em casa estranhava. Mas a gente estava acostumado.
Porém o que marcou mesmo minha infância no quesito TV foi o seriado do Batman e Robin, aquele cheio de onomatopeias, estrelado por Adam West e Burt Ward. Meus irmãos mais velhos começaram a trabalhar bem cedo, graças aos cursos do SENAI que meu pai insistia que todos os filhos fizessem. Eles primeiro, depois, aos 17 anos, eu. Trabalhavam durante o dia, e à noite, estudavam – como a maioria dos jovens do bairro – no Ligabue. Não sei por que cargas d'água minha mãe mandava eu e o Rafael levarmos os materiais escolares a eles, pra irem pra escola, e ainda hoje fico pensando por que eles não poderiam levar eles mesmos os próprios materiais... Nunca cheguei a uma conclusão. Pensando melhor, agora, talvez não fosse o material escolar, mas algum lanche. Não tenho certeza, e fico na dúvida, já que a gente era muito pequeno pra carregar uma mochila de materiais. Talvez fosse lanche, mesmo. Bem, eles chegavam com o 107-T, o ônibus"elétrico", que fazia ponto final no começo da Cruz de Malta com a Major Dantas. Próximo dali, havia uma loja que consertava TV's, e enquanto esperávamos os irmãos mais velhos, eu e o Rafael ficávamos ali, na calçada, assistindo ao seriado do Batman. O dono da loja devia ser um cara muito legal e paciente, pois isso, até onde me lembro, isso era todo dia. Geralmente dava pra ver um capítulo inteiro. Eles chegavam, a gente dava a eles a mochila com os materiais de escola – ou lanches, já não sei mais - e voltávamos pra casa. Pensando agora, eram realmente outros tempos: era demasiado longe pra mandar dois moleques de 8 ou 10 anos fazer isso, e depois voltar o caminho todo à noite. A gente realmente não tinha problemas de segurança. Essa TV ABC ficou na sala um bom tempo. Lógico que não preciso mencionar que era preto-e-branco. Mas foi, para nós, um marco. Além dos seriados, a gente ficou doido também quando foi lançada a série "Planeta dos Macacos", se não me falha a memória, na Globo, e que foi um sucesso enorme no Brasil. Tanto que a nova febre entre a molecada eram as máscaras de macaco. Claro que a gente acabou ganhando cada um a sua. Eram duras, feitas de plástico injetado, provavelmente pintadas uma à uma, e presas na cabeça com elástico. E a gente ficava assistindo a série na TV com a máscara no rosto. Como eram frágeis, pois o plástico duro rachava à toa, duvido que ainda exista alguma em algum lugar do mundo para contar história.
Com o tempo, meu pai acabou comprando outra TV, agora colorida, que ficou na sala, e a ABC foi para o quarto dos moleques. Nela, aos sábados, eu assistia ao programa "Inglês com música", na TV Cultura. Um programa onde a apresentadora, uma vez por semana, pegava uma música de sucesso, e traduzia a letra, de forma bem didática, explicando as conjugações e tempos verbais. Foi assim também que tomei interesse pelo idioma Inglês e pela forma de aprendizado, tanto que, tempos depois, alguma editora lançou alguns álbuns de discos exatamente com a mesma forma: A gente acompanhava a música pela vitrola e pelo fascículo, que tinha a letra, a tradução e a "aula" de inglês. Tenho ainda guardado em minha coleção de vinis, alguns exemplares super-conservados. No capítulo "interesse pelo idioma", mais uma história interessante, essa já na época do ginasial. Eu tinha um gravador K7, extremamente "arcaico" hoje, mas super-moderno para a época, que certamente deveria ter sido do meu irmão, e acabou passando pra geração seguinte (no caso, eu). Com ele e um microfone, gravava as músicas dos seriados dos Monkees e dos filmes do Elvis Presley, de quem eu era fã, que passavam na sessão da Tarde: Feitiço Havaiano, Love-me Tender, Carrossel de Emoções, entre outros. E naquele ano de 1977, quando Elvis morreu, eu resolvi levar o gravador e as fitas para a escola, sei lá porque. Lembro que as meninas da sala choravam. E a professora de inglês achou tão legal a ideia das músicas que resolveu passar, como tarefa, que a classe inteira traduzisse as letras das músicas. Lógico que quase apanhei dos meninos, que odiavam essa matéria. Mas ganhei uma moral incrível com a professora... Sempre gostei da matéria, e em inglês, tirando o pouco que aprendi na escola, sempre fui autodidata.
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Lembranças
Non-FictionUM APANHADO DE ALGUMAS LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA Escrever essas lembranças tem me dado uma enorme alegria. Fazendo isso, relembro dos áureos tempos de criança, quando a maior preocupação era de que modo e com qual brincadeira gastaria me...