Capítulo 17 - Beatles, Led Zeppelin e uma mulher que caiu do céu

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Trabalhando durante o dia, eu tinha que terminar os estudos, e fazia o colegial no Graco no período da noite. Com a mudança de horários, e tendo começado então a trabalhar, a turma do Ligabue foi ficando cada vez mais distante. Acho que o tempo faz isso: separa alguns, mas em compensação, coloca novas pessoas em nossas vidas. Nova escola, nova turma, novas amizades. Já disse que o Hirô trabalhava comigo na Copas. E num ano desses ele caiu na minha classe. Então, além de trabalharmos na mesma empresa (não mais no mesmo departamento, pois eu havia sido promovido) também estudávamos juntos. Na nova turma, conheci o Charles, uma grande figura que se transformou também num grande amigo. Ele tinha um jeito meigo de lidar com as pessoas, falava manso e acabava cativando a todos à sua volta. Acabou virando parceiro de aventuras. E como ambos tínhamos em comum a paixão pela música, nossas aventuras eram aventuras musicais. O Charles era aficcionado por música, e me parece ainda ser, pelo que percebo pelas redes sociais. Tem até um programa semanal na internet, onde é DJ e produtor. Assim como o Hirô, ambos tinham grandes equipamentos de som, e lembro que a primeira vez que fui na casa do Hirô ele botou um "Earth, Wind and Fire" no volume máximo pra eu ouvir e atestar a qualidade do som dele. Fiquei impressionado por dois motivos: primeiro, pela qualidade do som, e lembro que o movimento dos alto-falantes das caixas, deslocando grandes volumes de ar e produzindo um som grave poderoso me deixou estupefato. Minhas caixas de som eram boas, tinham potência, mas não tanto quanto aquelas. Segundo, porque foi o primeiro japonês que eu conheci que gostava de 'funk music", pois ouvia "Earth, Wind & Fire" e outros grupos, basicamente Black music. Mas eu estava nessa época, na minha fase "Beatles". Tudo o que eu ouvia e gostava eram as músicas dos "Fantastic Four", e independente da qualidade e quantidade de som do aparelho do Hirô, ele não conseguiu me converter. Hoje, lógico, após tanto tempo, sou bem mais aberto a novas experiências musicais, e tendo duas filhas, acabo ouvindo um pouco de tudo, algumas vezes até por influência delas. Assim, posso dizer que sou "eclético". Comecei a freqüentar a casa do Charles, que tinha também um sonzaço. Lembro que ele fazia de tudo pra me converter, me mostrava os sucessos da época, basicamente "disco music", Bee Gees, Dona Summer e outros sucessos do momento, mas não tinha jeito. O Charles era praticamente um DJ, e lembro que eu enchia o saco dele pra ele gravar umas fitas com alguma mixagem pra mim. Mas eu levava os discos – dos Beatles – e fazia ele fazer as mixagens. Invariavelmente saía da casa dele com uma fita nova, que eu ouvia no tape deck de casa ou no toca-fitas do carro até gastar. Recentemente, achei-o através das redes sociais, e a gente tem trocado mensagens pelo celular.

 Recentemente, achei-o através das redes sociais, e a gente tem trocado mensagens pelo celular

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O Hirô teve um papel fundamental na minha vida. Não por termos trabalhado juntos, mas porque como citei num capítulo anterior, ele foi o cupido que botou a Dona Rosângela na minha vida. Como disse, estudávamos juntos, e nos intervalos, ficávamos de bobeira pela escola. Eu era de uma turma diferente, e o Hirô era o amigo em comum com a outra turma, da qual a Rô fazia parte. Como eles moravam no mesmo bairro e já se conheciam, de vez em quando ele dava carona na volta para casa a ela e mais duas amigas dela, que também moravam no Jardim Brasil. Nessa fase, eu, apesar de gostar ainda de Beatles, fazia o estilo roqueiro: enquanto todo mundo na escola usava as roupas da moda e tênis de marca, eu andava de coturno, roupas escuras, sempre de boina preta e completava o traje com um sobretudo de gabardine muito surrado que eu acho que havia sido do meu pai. Eu tinha um estilo próprio e me sentia bem assim. Acho que eu queria ser diferente. Mas o pessoal da escola achava que eu tinha um parafuso a menos, sei lá: sem me conhecer me achavam doido, talvez pelo jeito como me vestia que, cá entre nós, devia assustar mesmo. Uma bela noite, estando na escadaria da escola, provavelmente matando aula junto com o Hirô, eis que a Rô passou e o cumprimentou. Logo pedi a ele que me apresentasse, o que ele não fez. Disse que ela era amiga dele e ela não era pra mim. Lógico, fiquei bravo com ele, pela sacanagem. No dia seguinte, encontrei-o na empresa e enchi tanto o saco dele que ele acabou nos apresentando na seqüencia. Mas nosso primeiro contato foi uma coisa meio furtiva, ela ficou muito encabulada, até por causa dos meus trajes e da fama de doido que eu tinha na escola, e a coisa ficou só nisso. Não conversamos, nem nada. O Hirô só nos apresentou e ela foi embora, com as amigas. Anos mais tarde ela me confidenciou que por causa da minha fama de doido tinha medo de mim.

Algumas vezes, eu ia pra escola de carro. Saía do trabalho para casa, chegava em casa, tomava um banho rápido, comia alguma coisa, pegava o carro e ia pra escola. E quando não estava a fim de assistir aula, eu ficava com o carro parado do lado do muro da escola, ouvindo música e batendo papo com a turma. Foi numa dessas ocasiões em que eu recebi esse presente dos céus. Estava encostado no muro, quando de repente, cai de cima do muro nada mais nada menos que a dona Rosângela. Ela estava cabulando aula, e o Paulão praticamente a jogou pra fora da escola dando um impulso nela por cima do muro, que não era baixo. E para sorte dela, eu estava do outro lado, e aparei a queda. Hoje costumo dizer que essa mulher "caiu do céu". Quem não conhece essa história acha que é figura de linguagem. Mas é literal. Como já havíamos sido apresentados pelo Hirô, não ficou aquele clima sem graça, e algum tempo depois, a gente acabou se enturmando, as duas turmas - a dela e a minha - acabaram se juntando, e passamos a fazer tudo junto, sempre em turma. Logo descobri através do Hirô que a Rô gostava da música "Stairway to Heaven", do grupo Led Zeppelin. Eu que não era nada bobo, corri para falar com o Kata, o roqueiro da rua, que me emprestou alguns discos de rock, os quais tratei logo de gravar uma K7 para impressionar a garota. A partir daí, comecei realmente a mudar meu perfil musical, ampliei meus horizontes musicais e realmente comecei a gostar de outros estilos além de Beatles e rock clássico: Led Zeppelin, Rolling Stones, Black Sabbath, Van Hallen, Iron Maiden, entre outros. Abri também espaço para os hits do momento, e lembrando do Charles, as "disco music". Até nisso essa mulher mexeu comigo.

O Hirô também tinha um fusca, azul, e quando a gente cabulava, enchíamos os dois carros com a turma e íamos pras Palmas. Mas houve uma ocasião em que, tendo combinado de irmos todos pras Palmas, na hora de sair, de repente todo mundo foi pro carro do Hirô, que ficou socado de gente, e "estranhamente" só a Rô ficou pra ir comigo, no meu carro. Eu era meio inocente, mas esse sinal foi demais para ser ignorado. Botei logo a fita de rock no TKR cara preta, aumentei o som com "Stairway to Heaven" e a moça se derreteu. Começamos a namorar nesse dia, há mais de 40 anos. Desde então, Stairway to Heaven passou a ser "nossa música".

Como a Rô é mais nova que eu, eu estava mais adiantado na escola, e estávamos em turmas diferentes. Assim, quando minhas aulas acabavam, eu sempre esperava ela pra leva-la pra casa, e assim ela não precisar ir de ônibus. Algumas vezes, íamos à pé: a gente matava as duas últimas aulas e eu a acompanhava até o Jardim Brasil. Mas eu andava tão apaixonado que acabei dando um jeito de repetir de ano, só para, no ano seguinte, cair na classe dela. E assim foi feito. No ano seguinte, caímos na mesma turma. Lembro que a gente tinha uma professora de biologia que, sabendo do nosso namoro, confidenciou à Rosângela que "eu não daria futuro". Bem,futuro posso não ter dado. Não tenho esse poder, já que, como diz o dito popular, "o futuro a Deus pertence". Mas são mais de 40 anos de convívio. E acho,isso não é pra qualquer um.

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